terça-feira, 30 de junho de 2009

Fichamento sobre Benjamin Constant - Da liberdade dos antigos comparada à liberdade dos modernos

CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos
Objetivo: distinguir duas formas de liberdade: liberdade cujo exercício era caro aos antigos, a outra é útil para as nações modernas. 1. A confusão entre estas liberdades foi a causa de muitos males; 2. Saber porque o governo representativo, único em que a modernidade encontra liberdade e tranqüilidade, era desconhecido pelos antigos (tentaram descobrir marcas desse governo em povos antigos: um engano).
Na lacedemônia, uma aristocracia monarcal (não um governo representativo). Gauleses: teocráticos guerreiros. Em Roma: tribunos tinham até certo ponto uma missão representativa, mas o povo exercia diretamente grande parte dos direitos políticos.
Governo representativo é invenção dos modernos: a condição da antiguidade não permitiria um governo de tal natureza – a organização social dos antigos os levava a desejar uma liberdade bem diferente da assegurada pelo governo representativo.
Liberdade, para um moderno francês, inglês ou americano: direito de não se submeter senão às leis: influir sobre a administração dos governos. Já para os antigos, consistia em exercer coletiva e diretamente várias partes da soberania inteira, deliberar em praça pública (consentiam com a submissão do indivíduo a vontade do todo): “ações privadas sujeitas a severa vigilância. Nada é concedido à independência individual, nem mesmo o que se refere à religião” (p.11). Autoridade do corpo social se impunha aos indivíduos no que hoje nos parece mais insignificante – leis regulamentavam o costume, como tudo era costume, não havia nada que as leis não regulamentassem.
Entre os antigos: indivíduo, quase sempre soberano nas questões públicas, é escravo em todos os seus assuntos privados (delibera sobre a guerra e a paz, mas é limitado e reprimido como particular). Entre os modernos o contrário: independente na vida privada, e, mesmo nos estados mais livres, só é soberano em aparência.
Há uma república na antiguidade em que a escravização do indivíduo ao coletivo não é tão completa como acima: Atenas. Veremos porque entre todos os estados antigos, Atenas é a que mais se pareceu com os modernos.
Os antigos não tinham nenhuma noção de direitos individuais: como máquinas, em que a lei regulava as molas e dirigia as engrenagens.
Todas as república antigas tinham limites estreitos: seu espírito era belicoso e os Estados tinham escravos. No mundo moderno, o oposto: os menores dos Estados são muito mais vastos que Esparta e Roma (durante cinco séculos); organização social moderna é suficientemente forte para não temer hordas bárbaras, esclarecidas para querer a paz, e não a guerra.
Guerra é anterior ao comércio: ambos são meios de atingir o mesmo fim, aquilo que se deseja. Comércio: tentativa de se obter o que se deseja de forma não violenta. Pela experiência, provando que a guerra expõem diversos malogros, que leva o homem a recorrer ao comércio: meio mais brando e seguro de conseguir o que se quer. Guerra é o impulso, comércio o cálculo. Chegamos ao momento em que o comércio substitui a guerra. Entre os antigos, povos comerciantes eram exceção, um acidente feliz, hoje condição normal, tendência universal e verdadeira da vida das nações. Para os antigos a guerra era vantajosa, para os modernos custa mais do que vale.
Resultado dessas diferenças:
1. Extensão do país diminui a importância política de cada indivíduo
2. Abolição da escravatura privou a população livre de todo o lazer que o trabalho dos escravos lhes permitia
3. Comércio não deixa, como a guerra, intervalos de inatividade na vida do homem
4. Comércio gera nos homens um forte amor pela independência individual: poder político que se intromete nas especulações particulares atrapalha os especuladores.
Exceção: Atenas. República comerciante que concedia muito mais espaço, liberdade individual que Roma ou Esparta (espírito dos comerciantes de Atenas era semelhante ao do nosso tempo): seus costumes pareciam com os nossos, amor á liberdade individual. Havia, porém, vestígio da liberdade dos antigos, devido ao pequeno território e existência de escravos: povo faz as leis e há ostracismo (indivíduo ainda subordinado à supremacia do corpo social mais que em qualquer Estado livre da Europa contemporânea a Constant).
Nós não podemos mais desfrutar das liberdades dos antigos: eles possuíam uma influência real quando participavam da soberania nacional. Estavam, assim, dispostos a muitos sacrifícios pela conservação de seus direitos políticos. EM nós não há tal compensação: o indivíduo quase nunca percebem a influência que exercem (experimentamos uma ínfima parcela de satisfação, quando comparamos a nossa participação política à dos antigos). Por isso somos mais apegados a nossas liberdades individuais que os antigos. Eles sacrificavam-na para obter mais, caso fizéssemos o mesmo, estaríamos fazendo isso e recebendo menos.
Liberdade nos antigos: “partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria” (p.15); Modernos: “Segurança dos privilégios privados; e eles chama liberdade as garantias concedidas pelas instituições a esses privilégios” (p.16)
Rejeita o poder arbitrário. Crê que certos homens, embora bem intencionados, e influenciados por Rousseau não perceberam o erro que cometiam. Rousseau: transporta para os tempos modernos um volume de por social e soberania coletiva pertencente a outros séculos. Seu amor à liberdade forneceu pretextos para diversas tiranias. Mas o erro está mais em abade Mably: com base nas máximas da liberdade antiga, deseja o domínio total dos cidadãos para que a nação seja livre, escraviza o indivíduo para libertar o povo.
Seus desejo é que a lei pudesse atingir os pensamentos, não só as ações, perseguisse o homem sem trégua, tinha entusiasmo por Esparta, desprezo por Atenas. Já Montesquieu não caiu nos mesmos erros: impressiona-se com as referidas diferenças, mas não as distingue bem.
Povo mais afeito a liberdade era o mais afeito aos prazeres da vida: queria liberdade por ver nela a garantia dos prazeres: “antigamente, onde havia liberdade, podia-se suportar as privações; agora, onde há privação, é preciso a escravidão para que alguém se resigne a ela” (p.18).
Os homens que fizeram a revolução estavam imbuídos dos pensamentos de Rousseau e Mably: queria, assim, exercer força pública, tal como faziam os Estados na antiguidade: tudo deveria ceder frente a vontade coletiva, e restrições aos direitos individuais seriam compensadas pela participação no poder social. Experiência desenganou: viram que a arbitrariedade dos homens era pior que as piores das leis, e que as leis dêem ter limites.
Independência individual: sendo a primeira das liberdades modernas, não a devemos sacrificar em nome da política: nenhuma instituição que na antiguidade impedia a liberdade individual é desejável na modernidade. Certos governos modernos sentem afeição por preceitos republicanos, como banir, exilar, privar...
Ostracismo é incongruente para os modernos, a não ser que feito por um tribunal competente: em Roma, a censura supunha um poder ilimitado, como o ostracismo entre os gregos. Roma: censura não criara os bons costumes, mas a simplicidade dos costumes que assegurava o poder e eficácia da censura (na França moderna seria ineficaz e intolerável).
Como modernos, queremos desfrutar de nossos direitos, desenvolver nossas faculdades conforme entendemos, sem prejudicar ninguém: educação e religião ao molde que tinha nos antigos seria anacrônico. Devemos desconfiar da admiração por reminiscências antigas: se vivemos em tempos modernos, devemos ter a liberdade dos modernos.
Em suma: “a liberdade individual, repito, é a verdadeira liberdade moderna. A liberdade política é a sua garantia e é, portanto, indispensável. Mas pedir aos povos de hoje para sacrificar, como os de antigamente, a totalidade de sua liberdade individual à política é o meio mais seguro de afastá-lo da primeira, com a conseqüência de que, feito isso, a segunda não tardará a lhe ser arrebatada” (p.21)
Não tende a diminuir a importância da liberdade política: não renuncia à liberdade política, mas reclama a civil junto com outras formas de política. Possuímos hoje os direitos que sempre tivemos, mas os governos tem novos deveres. Deve conter a autoridade: o despotismo dos antigos não é o mesmo dos modernos: os indivíduos não defendem a liberdade política com o mesmo afinco que os antigos; mas os modernos defendem a liberdade individual.
Comercio, com a circulação, emancipa o indivíduo e torna a autoridade dependente, por meio do crédito – dinheiro arma mais poderosa do despotismo e seu maior freio. Como precisamos de uma liberdade diferente da dos antigos, então as instituições que a garantem também serão diferentes. Se entre os antigos quanto mais tempo consagrava aos exercícios de seus direitos políticos mais livre ele estava, então, para nós, modernos, quanto mais o exercício de nossos direitos políticos nos deixar tempo para nossos interesses privados mais liberdade nos será preciosa.
Necessidade de um sistema representativo: nação confia aos indivíduos o que ela não pode/quer fazer. Recorrem ao sistema representativo por uma procuração, para desfrutar das liberdades que lhes são úteis: devem exercer vigilância ativa e constante, e de afastar seus representantes em determinados casos.
Ameaça das liberdades também é diferente. Perigo da antiga: atentos à necessidade de participar do poder social os homens não se preocupassem com direitos e garantias individuais; perigo da liberdade moderna: absorvidos pelo gozo da independência privada e na busca por interesses particulares, renunciem facilmente o direito de participar do poder político.
Necessitamos nos aperfeiçoar, a liberdade política é o mais enérgico meio para que nós desenvolvamos nossas faculdades: estabelece uma igualdade intelectual que faz a glória e poder do povo. Não queremos renunciar alguma das liberdades, mas combiná-las. Instituições devem realizar os destinos do gênero humano, terminar a educação moral dos cidadãos.
Plano normativo: em suma, combinar as liberdades individuais e políticas em suas acepções moderna: protegendo sua independência e chamando-os para participar do poder.

Resenha sobre Burke

Momento Histórico
Para um bom entendimento de Reflexões sobre a Revolução em França, provavelmente a obra mais importante de Edmund Burke, é necessário compreendermos tanto sua vida política, como o momento histórico e as razões pelas quais escreve o livro. Em seguida, pretendemos passar à análise da obra em questão, tentando relacioná-la com um ponto central no pensamento de Burke: sua aversão ao exercício de um “poder arbitrário”. Procurar demonstrar, ainda, uma coerência no pensamento do autor no livro em questão com suas posições políticas anteriores constitui o objetivo desta resenha.
Nascido em 1730, Burke passa por quatro revoluções – a Americana, a revolta dos Bengalis (na Índia), as revoltas dos católicos irlandeses e a Francesa; além da disputa entre Whigs e Tories no cenário político britânico. Como líder dos Whigs (grupo de esquerda considerado progressista e contra a intervenção do Rei na Política - contrários a James II ), defende sempre os que lutam contra um poder arbitrário, abominado por Burke. Trata-se de um raro caso de teórico e ao mesmo tempo ator político.
Causa impacto em 1790 (18 meses, portanto, depois da Queda da Bastilha, marco histórico da Revolução Francesa), ao publicar Reflexões sobre a Revolução em França, que marca seu rompimento com os Whigs. Burke considera o que acontecia na França como o exercício de um poder arbitrário. Temendo as repercussões de tais eventos em seu país, Burke escreve o livro com uma finalidade prática: persuadir os “simpatizantes” do processo revolucionário francês de seu caráter nocivo à sociedade como um todo. Tentaremos, então, demonstrar como se desenvolve o argumento de Burke ao longo da obra.
Teoria de Edmund Burke e Reflexões sobre a Revolução em França
Burke foi o primeiro grande teórico a escrever sobre a Revolução Francesa. Escrita no calor dos acontecimentos, a obra é marcada pelo temor com o que poderia ocorrer com a França, e as repercussões em solo britânico:
“The intervening period had been characterized by a mixture of popular violence and peaceable, if feverish political activity in France, as its absolute monarchy gave way to a constitutional monarchy. A detached observer would be unsure of the future — whether destruction and violence would predominate or whether an enduring constitutional order would emerge was a question which events had not answered. In the event, of course, the Revolution would be characterized by both violence and constitutional development, at different times, but this was as unknowable in 1790 as it is obvious in 2004” (HARRIS, em site citado).
Seu temor é compreensível. Seus escritos são uma reação, uma crítica ao processo que ocorria na França.
Tradicionalista que era, Burke temia mudanças drásticas. Acreditava na inexorabilidade das mudanças, entretanto, observando a velocidade com que ocorriam ao seu redor, pretendia a manutenção de instituições tradicionais (como a família e a Igreja). Ao mesmo tempo, determinadas partes da sociedade se transformariam de maneira paulatina, e não revolucionária. Esta é a razão de Burke “iniciar um ataque ao Estado revolucionário-democrático por causa do que ele sentia serem intrusões praticadas contra as legítimas esferas de autoridade e função em outros níveis de ordem social maior” (NISBET, 1987, p. 407).
Vejamos se tal não seria o caso da Revolução Francesa, que no anseio de reestabelecer, de recriar, uma ordem social baseada na razão, criou inclusive um novo calendário e um sistema de pesos e medidas – este último utilizado até hoje em boa parte do mundo.
Ora, atentemos para a unidade no pensamento de Burke: defendera os colonos americanos ao lado dos whigs por considerar arbitrário o poder imposto pelo governo britânico; defendera, em casos análogos, irlandeses e indianos; deparava-se, agora, em enfrentar o seu próprio grupo político (que em sua concepção de partido seria considerado como tal) mantendo-se fiel a sua repugnância ao poder arbitrário.
Defende, sim, mudanças, desde que estas se baseiem na ordem social vigente, e não recomeçando do zero. Aristocrático e conservador, defendia um poder em que o “Rei reina, mas não governa”, sendo limitado pelo Parlamento (em uma clara alusão à idéia de Montesquieu de que um poder freia o outro). Idealizava o modelo político inglês, e temia que este pudesse ser deturpado por britânicos simpatizantes da Revolução do país vizinho.
A análise da Assembléia Nacional francesa
Cremos que a análise que o autor faz sobre a Assembléia Nacional francesa revela-nos pontos essenciais de seu pensamento. Senão vejamos: “Esta assembléia, desde a abolição das Ordens, não tem nada que a possa frear: nem a lei fundamental nem convenção estrita, nem costume respeitado” (BURKE, 1982, p.78). Parece estar clara à sua aversão ao poder arbitrário, bem como a ausência de um modelo de freios e contra-pesos na assembléia francesa, tal como o é no modelo político britânico.
Acredita que a França tivera a possibilidade de aproveitar o exemplo britânico, de ter:
“uma Constituição livre, uma monarquia poderosa, um exército disciplinado, um clero reformado e venerado, uma nobreza menos orgulhosa, mas mais digna, capaz de lhes ensinar a virtude e não de abafá-la, uma burguesia liberal imitando esta nobreza e oferecendo-lhes recrutas, um povo, enfim, protegido, satisfeito, laborioso e obediente, habituado a procurar e a apreciar a felicidade ...” (idem, p. 72)
Trata-se, portanto, de uma espécie de modelo a ser seguido, que Burke acreditava estar em conformidade com o modelo político inglês. Critica, porém, o caminho percorrido pela França, demonstrando, novamente sua contrariedade diante de mudanças radicais: “os franceses possuíam todas estas vantagens em seus antigos Estados (não está se referindo às vantagens que citei acima, mas sim à “variedade de partes correspondentes às diferentes classes”), mas preferiram agir como se nunca tivessem disso moldados em uma sociedade civil, como se pudessem tudo refazer a partir do nada” (idem, p.71).
Esperamos, com o texto acima, ter demonstrado a coerência do pensamento de Edmund Burke, em especial no caso da Revolução Francesa. Dotado de finalidade prática, o livro parece ter atingido seus objetivos, freou um possível “processo revolucionário” na Inglaterra, perpetuando o modelo político a que tanto se referia até 1832, quando a burguesia industrial ganha direito de voto.
Por fim, imprescindível mencionar que Burke considerava a necessidade de se ter direitos civis, em um determinado Estado, com um rei e um parlamento, buscando se conquistar a liberdade, como os britânicos fizeram. Depreciava a idéia de uma série de direitos inatos ao homem, assim como a noção de liberdade como algo natural. Esta deveria ser conquistada.
Referências:
BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Brasília: Editora da UNB, 1982.
NISBET, Robert. Os filósofos sociais. Brasília: Editora da UNB, 1987.
http://plato.stanford.edu/entries/burke/ - Acesso em 29/03/09: Texto de Ian Harris

Nisbet sobre Burke

NISBET, Robert. Os filósofos sociais
PLURALISMO CONSERVADOR: BUKRT, BONALD, HEGEL
Ataque ás mudanças se inicia com aqueles que hoje consideramos conservadores, inclusive reacionários. É de se entender: era a sociedade tradicional que recebeu o ataque da Revolução Francesa. Os revolucionários abominavam (como haviam feitos certos filósofos que os precederam) “era todo o sistema de religião, classe e cultura identificado com o cristianismo, com o feudalismo e com tudo quanto acompanhava essas duas grandes e persistentes forças medievais” (p.400)
BURKE
Reação começa com Burke na Inglaterra. Era um whig (progressistas e contrários a James II): odiava o poder arbitrário (apoiara quatro revoluções:a Inglesa, antes de seu nascimento; a Americana; revolta dos bengalis, na Índia; insurreições dos católicos irlandeses.
Era contra o poder arbitrário onde quer que se estivesse:inclusive na Revolução Francesa, sob os revolucionários, especialmente jacobinos, que utilizavam técnicas análogas ao poder centralizado em nome dos “direitos da humanidade, racionalismo e da virtude absoluta” (p.402).
Era um tradicionalista: profunda crença em direitos, liberdade e igualdades cuja origem é a lei natural, mas que são modeladas pela história, firmando-se nas tradições, convenções e hábitos. Em nome dos direitos e liberdades historicamente estabelecidos em cada uma das sociedades que Burke se opõe ao poder arbitrário.
É a fonte do moderno conservantismo filosófico. Por ter criticado a revolução francesa que rompe com os Whig na Inglaterra e renuncia à sua cadeira no parlamento. Muitos o consideraram um traidor.
Mas seu ataque à revolução francesa baseava-se nos mesmos princípios que o levaram a defender americanos e hindus: “superioridade da sociedade tradicional e dos grupos e associações que a compunham” (p.403). Defender essa sociedade tradicional das técnicas de poder no governo moderno. Amor à tradição e à autonomia da organização centralizada e racionalizada: bases do conservantismo ocidental.
Nos interessa seu pluralismo e o ataque à centralização política, e não seu conservantismo. Estado e sociedade são o mesmo, e “sociedade civil” refere-se a uma união orgânica do governo com todas as esferas da ordem social. Possuem direito de existência. Não importa o qual popular possa ser o governo, ele jamais pode invadir de maneira atrevida áreas da ordem social como a religiosa, familiar, profissional e etc...
Cada sociedade é um contrato particular que não é mais do que uma cláusula de um grande contrato. Os governos não tem liberdade moral á sua vontade: Não há direitos que não sejam estribados na ordem social.
Não é contra todo tipo de mudança (estado deve realizar certas mudanças, caso contrário não pode se preservar). Prezava a ordem social britânica, elogiava a mudança ocorrida na Restauração e Revolução de 1688: uma “ordem social baseada na família, na vizinhança, na religião, na classe social e em unidades territoriais como as províncias, que refletiam a tradição histórica, e não o capricho ou a suposta inteligência de um so grupo ou geração. Conseqüentemente, é preciso que haja respeito e cautela quando se considera uma mudança” (p.405).
Odiava filosofias sociais que fazem dos indivíduos atomísticos as unidades da ordem social: sociedade só pode ser compreendida em seus próprios termos: costumes, convenções, grupos e comunidade. É demais complexa para ser transferida para um modelo de autoridade e organização único, unitário.
Ora, os revolucionários franceses pretendiam recriar toda a sociedade por meio da razão, destruir aquilo que consideravam feudal: criar novos territórios, população e contribuições (financeira). Intentavam destruir submissões tradicionais e criar novas, em harmonia com os fins revolucionários.
Burke encarava a situação de uma forma bem diferente: estão desvinculando as pessoas do que estão acostumadas, não mais se sentirão membros da França. É o primeiro dos modernos conservadores a criticar o Estado revolucionário-democrático: sentia que eram intrusões praticadas contra as legítimas esferas de autoridades e função em outros níveis da ordem social maior.

Fichamento LIMONGE sobre “O Federalista”

LIMONGE, Fernando. “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos.
Histórico: 1787 se reuniu na Filadélfia a convenção Federal que elaborou uma nova Constituição para os Estados unidos. “O federalista”: reunião de ensaios publicados na imprensa de Nova York com o objetivo de convencer e contribuir para a ratificação da Constituição pelos Estados. Hamilton, Madison e Jay = Publius.
Os autores concordavam que a Constituição elaborada pela Convenção Federal oferecia um ordenamento político incontestavelmente superior ao vigentes: pretendiam escrever uma série de artigos em que a nova constituição fosse explicada e rebater as críticas dos seus adversários.
Montesquieu (linha que começa em Maquiavel e termina em Rousseau) aponta para incompatibilidade entre governos populares e os tempos modernos: crença de que a necessidade de manter grandes exércitos e as preocupações com o bem-estar material faziam das monarquias as formas de governo mais adequadas ao nosso tempo.
Cria-se que para existir um governo popular seria necessário um pequeno território, e cidadãos virtuosos, amantes da pátria e surdos aos interesses matérias. Algo incompatível com a modernidade. Governos assim seriam presa fácil para vizinhos militarizados. Desafio de Publios: Desmentir os dogmas arraigados nesta tradição: “demonstrar que o espírito comercial da época não impedia a constituição de governos populares e, tampouco, estes dependiam exclusivamente da virtude do seu povo ou precisavam permanecer confinados a pequenos territórios” (p.247). Invertem os postulados: aumentar o território e o número de interesses é benéfico à esta forma de governo. Trata-se de uma teorização que, pela primeira vez, deixa de se basear nos exemplos da antiguidade, para ser moderna.
O moderno federalismo:
Ataque à fraqueza do governo central instituído pelos Artigos da Confederação. Um governo central deve exigir o cumprimento das normas dele emanadas: União se relacionando não apenas com os Estados, mas também com os cidadãos.
Desejar uma confederação seria desconhecer os exemplos da história e se ater à idéia de Montesquieu: que as via como compatibilizando a liberdade dos estados pequenos com a força dos grandes.
Propunham uma inovação jamais antes experimentada, uma constituição nacional e federal: federal por haver dois entes estatais, um governo central que se relacione com os cidadãos. Federalismo nasce como um pacto político entre estados.
Inspirados por Montesquieu, “antifederalistas” diziam que os Estados grandes levariam a um risco à liberdade: propunham a formação de 3 ou 4 confederações para respeitar o tamanho ideal que deve ter um governo popular. Hamiltom via nesta proposta o que levaria a competição comercial entre as confederações. Para evitar rivalidades, defendia o pacto federal, que favoreceria o desenvolvimento comercial dos EUA, formando uma nação grande e que não dependeria de grandes efetivos militares.
Separação dos poderes e a natureza humana
Visão realista do homem: se fossem anjos não haveria a necessidade de governo. Recurso de argumentação para justificar a necessidade do Estado (tema não muito explorado na obra). O que sim é explorado são os controles bem definidos sobre os detentores do poder: governante controlando o governado e controlando a si mesmo .
Estruturas internas do governo devem funcionar contra a tendência natural do governo tornar-se tirânico. Estão aí as máximas do pensamento liberal e constitucional, do qual o livro é um dos expoentes.
Contraposição do poder só pode ser obtida com outro poder, freando-o (origem em Montesquieu, dele se aproxima neste ponto). Mas há especificidades da teoria da separação dos poderes n’”O Federalista”: organização horizontal das três funções principais do Estado por órgãos distintos e autônomos.
Descarta a possibilidade de um governo misto.
Separação dos poderes garantidas por medidas constitucionais, garantias á autonomia dos diferentes ramos de poder, postos em relação um com o outro podendo se frear mutuamente. Justifica-se por ser uma forma de evitar a tirania. Diferentes ramos do poder com forças suficientes para resistir ás ameaças uns dos outros. Mas para cada forma de governo deverá haver um poder mais forte: na monarquia as ameaças partem do executivo, nas repúblicas do legislativo: por isso são necessárias medidas adicionais para frear seu poder. Assim é criado o Senado: uma segunda câmara legislativa baseada em princípios diversos.
Outra forma de se deter o poder legislativo é fortalecendo os outros: ex: judiciário (fraco por não ter iniciativa merece cuidados especiais para ter sua autonomia garantida.
As repúblicas e as facções:
Artigo 10. Discussão sobre o mal das facções e como enfrentá-lo. Inova ao afirmar que não depende de sua eliminação a prosperidade do governo popular, mas sim de neutralizar seus efeitos perversos. Crê que no pensamento de Montesquieu e Rousseau, por defenderem o amor a pátria, a conseqüência lógica disso seria a destruição das facções. Madison a rejeita, afirmando que é incompatível com um governo livre: proteger a autodeterminação dos homens, sua liberdade é o objetivo primeiro do governo. Base do credo liberal.
“Constituir um governo limitado e controlado para assegurar uma esfera própria para o livre desenvolvimento dos indivíduos, em especial de suas atividades econômicas” (p. 253).
Decisão da maioria pode ser uma ameaça para facções minoritárias – problema paradoxal da democracia: maior risco de que ela degenere em tirania radica-se no poder que confere à maioria.
Pois isso advoga um governo popular e representativo: as facções, originárias do desenvolvimento de uma economia moderna. Defende uma nova espécie de governo popular: a república. 1. Funções de governo delegadas a um número menor de cidadãos; 2. Aumento da área e número de cidadãos.
Há um filtro para que homens não facciosos sejam eleitos, mas a possibilidade disso ocorrer é grande. A segunda característica distintiva das repúblicas deve-se a sua contribuição para evitar o mal das facções: cresce o número de interesses em conflito, dificultando a reunião da maioria dos cidadãos, e, caso isso ocorra, dificultando sua ação. Uma neutralização recíproca.
Madison não é um liberal adepto a Adam Smith, sua solução não vislumbra nem o governo mínimo nem o não-governo. Crê na legislação moderna como devendo ser fornecedora de meios para a coordenação dos diferentes interesses em conflito. “levar à coordenação dos interesses é a marca distintiva das repúblicas, por oposição à violência do conflito entre facões características das democracias populares (...) o interesse geral se impondo como a única alternativa” (p.255)

Resenha sobre Montesquieu

Em Do espírito das Leis, obra escrita ao longo de vinte anos, Montesquieu dispõe-se, nos capítulos I ao IV, a analisar as diferentes formas de governo – seriam três, tal como o autor as entende: as repúblicas, os governos despóticos e as monarquias. Esta sua divisão relaciona-se com três aspectos essenciais em seu pensamento, quais sejam: a) a diversidade das formas de regulamentação da vida social dos homens (não do homem no singular, mas sim no plural); b) a compreensão da sociedade como uma totalidade; c) a questão de análise dos homens como eles são - não se referindo a um contrato imaginário (LOCKE, ROUSSEAU, HOBBES) - ao passo que cria um certo modelo de como as formas de governo deveriam ser em sua forma ideal (próximo ao tipo ideal weberiano). Serão estes o pontos a serem abordados na obra do autor, ao mesmo tempo que ambicionamos explicar o conteúdo material dos Livros I ao IV.
Para que se possa compreender a estruturação do texto, imprescindível termos em mente que Montesquieu, no contexto iluminista, diferencia-se dos filósofos contratualistas que o precederam (e no caso de Rousseau que o sucedeu) por seu interesse pelo histórico, marcado “pelo abandono de qualquer história hipotética do estado de natureza: os homens tais quais são” (ALTHUSSER, 2007, p. 24). Deste modo, é na chave do iluminismo - crença na capacidade do homem descobrir as coisas por si só – que Montesquieu passa a pensar o problema da diversidade humana, uma novidade posta ao contexto europeu pós-grandes navegações. Uma atitude que para Aron seria considerada sociológica: “a intenção de O Espírito das Leis, pelo que me parece, é evidentemente sociológica” (ARON, 2008, p. 4). Ademais, é a prova empírica de sociedades muito diferentes entre si que coloca em cheque um ponto caro ao pensamento jusnaturalista, o da essência em comum ao o homem. Surge a necessidade “de explicar essa diversidade” (ALTHUSSER, 2007, p.25).
No Livro I, buscando a compreensão da diversidade, Montesquieu dá um novo conceito à palavra lei (muito influenciado pela física): “relações necessárias que derivam da natureza das coisas” (MONTESQUIEU, 1979, p.25). Ou seja, pretende estudar as relações entre as leis e as particularidades dos locais para os quais elas foram elaboradas (suas relações com os aspectos físicos, sociais, econômicos e demográficos do país). Surge daí a idéia de totalidade em seu pensamento. “É isso que pretendo realizar nesta obra. Examinarei todas essas relações; formam elas, no conjunto, o que chamamos de Espírito das Leis”. (idem, p.28). Caminhando neste sentido, Montesquieu trabalha com os conceitos de natureza (a estrutura que permite a sociedade ser o que é) e princípio (a dinâmica, o movimento da sociedade, aquilo que faz o governo agir) – que, segundo o autor, não podem ser extraídos de nosso preconceito, denotando um compromisso científico em sua obra, além de uma atitude sociológica, ao trabalhar com a idéia de totalidade (leis relacionadas a diversos outros fatores).
No Livro II Montesquieu inicia diferenciando o que seria o governo republicano, o monárquico e o despótico. Ou seja, o modo de governar seria o fator fundamental para se compreender as diferenças entre as estruturas das diferentes sociedades, tendo como outro fator o número daqueles que exercem o poder. Deste modo, chega-se a concepção de que não existe sociedade sem governo, sem política. Prossegue, deste modo, discriminando as características da natureza, da estrutura das diferentes formas de governo e das leis que derivam desta natureza – perseguindo o caminho proposto de estudo da totalidade.
Temos, em primeiro lugar, a análise da república, relacionada com as Cidades-Estado greco-romanas, que diferenciando-se em aristocracias - em que só alguns governavam, e o resto do povo encontra-se em relação a ela como em uma monarquia está o povo em relação ao monarca (MONTESQUIEU) - e democracia - em que muitos ou todos governavam, sendo, portanto, fundamentais as leis com relação ao sufrágio. Em seguida, tratando sobre o governo monárquico e a relação da natureza deste com suas leis, trabalha com a idéia de um poder do Rei limitado pela aristocracia (tem em comum com a república o respeito à lei), defendendo a opressão do povo. Por fim, no que diz respeito aos estados despóticos, crê na centralização sem limites do poder na figura de um único homem, que não possua impedimentos para fazer o que bem entende (a não ser pela religião). Montesquieu recomenda que o governante encontre um vizir (referencia aos administradores reais do Oriente – o autor considera esta forma de governo típica do Oriente) para que trabalhe em seu nome, tornando-se aspecto fundamental nessa forma de governo, uma vez que o déspota “é naturalmente preguiçoso, ignorante e voluptoso” (idem, p.36). Deve-se esclarecer que Montesquieu não estaria afirmando a existência estanque destas formas de governo ao redor do mundo, mas sim como uma espécie de tipo ideal dos quais as formas de governo podem se aproximar ou afastar, uma espécie de antecedente do “tipo ideal” weberiano, comuns a certas épocas e lugares, conforme evidenciado no título do Livro IV.
No Livro III está explicita a diferença, já mencionada acima, entre natureza e princípio, em que aquela seria a estrutura (Quem detém o poder? Como é exercido?) e este aquilo que dá vida à estrutura, aquilo que, de certo modo, “comanda a própria estrutura de governo” (ALTHUSSER, 2007, p.26). A idéia de princípio como unificador, capaz de explicar, ou pelo menos nortear, todas as demais leis e costumes – remetendo novamente à noção de cada sociedade como uma totalidade histórica, formas sociais com as suas próprias instituições.
Na democracia o princípio seria a virtude (Montesquieu deixa claro que se refere a virtude no sentido de Aristóteles, virtude política), pelo próprio fato de que “quem manda executar as leis sente que ele próprio e a elas está submetido e que delas sofrerá o peso” (MONTESQUIEU, 1979, p. 42). Interessante ressaltar que o autor considera-a incompatível com uma economia de mercado, em que está em vigor o interesse individual. Já na aristocracia, Montesquieu identifica a moderação como princípio, uma vez que os que governam estarão julgando seus iguais, esta torna-se fundamental, tornando os nobres “iguais entre si, o que faz a sua conservação” (idem, p. 43). Na monarquia, por sua vez, seria a honra o princípio fundamental, por unificar o estamento, limitando o poder do Rei, por exemplo, ao prescrever a necessidade dos aristocratas fazerem guerra. É típica da sociedade comercial pois não obriga o indivíduo a pôr seu interesse coletivo acima do pessoal. Por fim, no despotismo, crê o autor que é fundamental o princípio do medo, para que esta sociedade sem lei nem regra possa funcionar – Montesquieu tem certo temor pela forma despótica, indo contra a concepção hobbesiana do medo como fator constitutitvo da política. Imprescindível ressaltar que Montesquieu deixa claro que mais de um princípio pode estar presente na mesma forma de governo, mas existe um que é o princípio motor específico da forma, sua “mola”, na linguagem do autor.
Para finalizar, no término do Livro IV, Montesquieu ressalta que os princípios podem não ocorrer na forma de governo em que deveria, ou seja, está clara a aproximação feita com o tipo ideal weberiano. Mais ainda no título do próprio Livro V (De como as leis devem ser relativas aos princípios de governo), em que além do caráter positivo da análise de como as coisas são está mais uma vez explicito na indicação de como elas devem ser: “a tipologia positiva e cientifica converte-se aqui em uma espécie de tipologia ideal” (ALTHUSSER, 2007, p.27). Além da noção de totalidade, evidenciada pela lógica de que costumes e leis devem referir-se ao princípio motor da natureza da sociedade em questão, existe uma referência final sobre a importância da diversidade no pensamento do autor.
Referências:
ALTHUSSER, Louis. Política e história. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
__________________. Montesquieu: a política e a história. Lisboa: Presença, 1972.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Fichamento - Raymond Aron sobre Motesquieu

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Martins Fontes: São Paulo, 2008
MONTESQUIEU
Considera-o não apenas como um percursos, mas um dos fundadores da sociologia, posto que intenta “conhecer cientificamente o social como tal” (p.3). Intenção de O espírito das leis PE evidentemente sociológica. Objetivo: tornar a história inteligível, compreender o dado histórico.
Ponto de partida é a diversidade que parece incoerente, a finalidade da pesquisa é substituí-la por uma ordem conceitual, inteligível (tal como é o processo em Weber). Como se chegará a descobrir uma ordem inteligível? Além dos caos dos acidentes, há a possibilidade de se descobrir causas profundas, que expliquem a aparente irracionalidade dos acontecimentos.
Uma idéia propriamente sociológica: captar por trás da sequencia aparentemente acidental, causas profundas que os explicam. Montesquieu vai além: ao dizer que há possibilidade de organizar a diversidade dos hábitos, dos costumes e das idéias, reduzindo-os a um certo número de tipos.
A variedade das leis possa ser explicada, já que as leis de cada sociedade são determinadas por certas causas que atuam as vezes, sem que os homens tenham consciência.Torna a diversidade inteligível quando a organizamos dentro de um pequeno número de tipos ou de conceitos: “entre a diversidade infinita dos costumes e a unidade absoluta de uma sociedade ideal, há um termo intermediário” (p.6).
A teoria política
Obra possui três grandes partes: 1. Treze primeiros livros: teoria dos três tipos de governo, uma verdadeira sociologia política: reduzir as formas de governo a alguns tipos, cada um dos quais definidos por sua natureza e princípio; 2. Do livro XIV ao XIX: causas materiais ou físicas: influência do clima e do solo sobre os homens, seus costumes e instituições. 3. Do livro XX ao XXVI: influências das causas sociais sobre os hábitos costumes e leis.
De um lado a sociologia política, do outro, um estudo sociológico das causas que agem sobre a organização da sociedade. Livro XIX: difícil de classificar no conjunto, pois trata do espírito de uma nação, princípio unificador do todo social. È a transição ou ligação entre as duas primeiras partes da obra, entre a sociologia política e o estudo das causas físicas ou morais.
Do livro II ao VIII (que analisam os três tipos de governo) vemos um forte inspiração Aristotélica. Seria fácil colocar Montesuquieu como um discípulo dos filósofos clássicos, ao classificar os tipos de governo, por um lado, e como um sociólogo, por outro, que investiga a influencia do clima, do solo, da quantidade de pessoas e a religião podem exercer sobre os diferentes aspectos da vida coletiva. O problema que se coloca é o da compatibilidade entre a teoria dos tipos de governo e a das causas.
Distingue 3 modalidades de governo (república, monarquia e despotismo), definidas em relação a dois conceitos que o autor chama de natureza (faz com que o governo seja o que é) e princípio (sentimento que deve animar os homens, dentro de um tipo de governo, para que este funcione harmoniosamente) de governo. Natureza determinada pelo número dos que detêm a soberania: republicana (o povo coletivamente – democracia - ou parte deste – aristocracia - tem o poder soberano); monárquico (um só governa por meio de leis fixas e estabelecidas) e despotismo (um só governa sem lei nem regras).
Portanto, natureza de um governo depende do número dos que detém o poder e de como este é exercido. São dois critérios, duas variáveis: quem detém o poder e como esse poder é exercido. O terceiro critério é o princípio de governo:sentimento sem o qual este não pode prosperar; assegura estabilidade ao tipo de governo.
A república depende da virtude (não moral, mas política), a monarquia da honra e o despotismo do medo. Não é pessimista como Hobbes: considera um modelo baseado no medo corrupto, a negação da política. Considera democracia e aristocracia, que em Aristóteles eram tipos distintos, duas modalidades, de um mesmo regime chamado republicano, e o distingue da monarquia. Razão: trata-se de uma distinção das organizações e das estruturas sociais. A filosofia política clássica não se preocupava muito com as relações entre superestrutura política e as bases sociais. Não havia a questão de que até que ponto seria possível classificar os regimes políticos sem levar em conta a organização social. Contribuição de Montesquieu: retoma o problema em sua generalidade e combina a análise dos regimes com a das organizações sociais.
Cada um dos três tipos de governo corresponde a uma certa dimensão da sociedade: República: pequeno território (caso contrário quase impossível que subsista); Monárquico: tamanho médio (se muito pequeno seria uma república, se muito grande os membros do governo não obedeceriam ao chefe); Grande império: supõe um atividade despótica. Assim, vincula a classificação dos regimes ao que hoje chamaríamos de morfologia social ou volume social (expressão de Durkheim).
Associa a classificação dos regimes à análise da sociedade: aquele que deve ser o sentimento indispensável para o funcionamento de cada regime: leva a uma teoria da organização social. República: homens vivem pela e para a coletividade, sendo cidadãos implica que se sintam iguais entre si. Por oposição, o princípio da monarquia é a honra: privilégios e distinções – a ambição que na república é perniciosa tem bons efeitos na monarqui: evita o despotismo. República e Monarquia são governos moderados: não se comanda de modo arbitrário, à revelia das leis. Já o despotismo não é moderado.
Se a República se baseia numa organização igualitária e a Monarquia tem base na diferença e na desigualdade. O Despotismo marca a volta à igualdade, mas um igualdade despótica, marcada pelo medo, impotência e não-participação do poder soberano. Oposição definitiva entre despotismo: em que todos temem todos, e os regimes de liberdade: em que nenhum cidadão teme o outro. Religião como único limite, embora precário, ao poder absoluto no despotismo.
Modelo de república é oferecido pela romana, antes das grandes conquistas. O modelo de monarquia são os reinos europeus de seu tempo, inglês e francês. O modelo de despotismo são os impérios asiáticos: persa, chinês... (em que não há classes em equilíbrio, nem níveis hierárquicos estáveis). Seria a idéia de despotismo asiático o destino de monarquias que percam o respeito das hierarquias sociais.
A filosofia política clássica fazia apenas uma teoria política dos regimes, não levando em conta a organização da sociedade (acreditava na validade intemporal dos tipos políticos).
Pela combinação entre regime político e tipo social chega-se o que Weber chamaria de tipo social: a) O da cidade antiga: Estado de pequenas dimensões, uma república podendo caracterizar-se como democracia ou aristocracia; b) O da monarquia européia: essência é a diferenciação entre ordens sociais – legal e moderada; c) Despotismo asiático: extenso, poder político nas mãos de uma só pessoa, sendo a religião o único limite: liberdade é restaurada com a impotência de todos.
O essencial é esse laço entre modo de governo, o tipo de regime, e o estilo das relações interpessoais. Ou a autoridade é exigida de acordo com as leis e ordem, ou então de forma arbitrária e violenta. Distinção entre governo moderado e não-moderado é central: permite considerações sobre a Inglaterra.
Capítulo 6 do Livro XI; estuda a constituição britânica, descobrindo um estado cujo objetivo próprio é a liberdade política e a idéia de representação política. Só na Inglaterra ele vê plenamente realizada a instituição representativa. Povo é representado por assembléias: característica principal é a separação dos poderes. Há o poder executivo, nas mãos do monarca: por necessitar de rapidez de decisão e ação é necessário que esteja nas mãos de um monarca; poder legislativo: encarnado por duas assembléias: Câmara dos Lordes (representa a nobreza) e dos Comum (representa o Povo). Há ainda o terceiro poder, de julgar. Esses órgãos estão separados e cooperam: mostra o que cada um dos poderes deve e pode fazer com relação ao outro.
Poder legislativo: coopera com executivo (examina em que medida as leis estão sendo aplicadas corretamente pelo segundo). Poder executivo: não deve debater os casos, mas manter uma relação cooperativa, por meio de sua faculdade de impedir. O orçamento deve ser votado anualmente: uma condição da liberdade.
Sua idéia essencial não é a separação dos poderes no sentido jurídico, mas um equilíbrio de poderes sociais, condição da liberdade política. Aron: diria que Montesquieu considera um estado livre quando nele o poder limita o poder. O que interessa é a rivalidade de classes: competição social torna-se condição do regime moderado, pois diversas classes podem se equilibrar. Nenhum poder se estende além dos seus limites, pois é contido por outros poderes.
Consenso social: equilíbrio de forças, paz estabelecida pela ação e reação dos grupos sociais. Então a teoria da constituição inglesa é central no pensamento de Montesquieu: “encontra, no mecanismo constitucional de uma monarquia, os fundamento do Estado moderado e livre, graças ao equilíbrio entre as classes sociais, graças ao equilíbrio entre os poderes políticos” (p.25).
1ª Interpretação: teoria da separação concebida em termos jurídicos dentro de um regime republicano
2ª Interpretação: Insiste no equilíbrio dos poderes sociais, acentuando o caráter aristocrático dessa concepção em Montesquieu (como faz ARON). É um representante da aristocracia lutando contra o fim de sua classe
3ª interpretação: Vai além da 2ª. Os bons governos seriam os moderados, e os governos só podiam ser moderados quando o poder freava o poder, quando nenhum cidadão tivesse medo dos demais. Lembrar que Montesuqieu, em meio a discussão sobre a Constituição da monarquia francesa, pertence ao partido aristocrático. Necessitamos saber se as condições de moderação e liberdade permaneceriam independente do modelo aristocrático que tinha em mente. Um regime democrático, em que o poder pertence a todos, nem por isso é moderado e livre. Princípio para o qual haja respeito às leis e segurança aos cidadãos é a de que nenhum poder seja ilimitado. Tema essencial de sua sociologia política
Da teoria política à sociologia:
Permite a formulação dos principais problemas da sociologia geral.
1º Problema: Inserção da sociologia política na sociologia do conjunto social: passagem do tipo de governo para a compreensão da sociedade toda
2º Problema: Relação entre o fato e o valor, entre a compreensão das instituições e a determinação de um regime como desejável, como bom
3º problema: Relações entre o universalismo racional e as particularidades históricas.
Resposta do Primeiro Problema
Comporta três etapas: quais as causas exteriores ao regime político? Qual o caráter das relações que ele estabelece entre as causas e os fenômenos a explicar? Há um interpretação da sociedade como um todo, sem que se possa dizer que nenhum desses determinantes seja decisivo?
A) Enumeração de causas sem caráter sistemático: começa pelo estudo do meio geográfico, e no livro XIX passa ao espírito da nação. Depois, considera não mais as causas físicas, mas as sociais: em especial, o comércio, a moeda. Não ignora a industria, mas se foca na economia como agricultura e comercio: não trabalha com a noção de desenvolvimento tecnológico e as transformações do trabalho e da sociedade (um dos motivos que ARON não o considera um sociólogo propriamente dito). Analisa também o número de habitantes, problema demográfico. Finalmente examina o papel da religião: uma das influências mais eficazes sobre a organização da vida coletiva.
Distinção importante: causas físicas (clima e solo) e morais (espírito geral e religião). Ponto culminante da sociologia de Montesquieu é o conceito de espírito geral de uma nação. Distingue leis e costumes. Leis: regulam mais as ações do cidadão; costumes: regulam mais as ações do homem (costumes regulam mais a conduta interior e hábitos a exterior).
B) Relações estabelecidas entre causas e instituições: sua elaboração sobre o meio geográfico é pobre. Acredita que um certo meio físico determina diretamente uma maneira de ser fisiológica, nervosa e psicológica dos homens. (ex; relaciona o calor com a escravidão: deixa os corpos menos dispostos ao trabalho). Vemos também que Montesquieu justapõe dois aspectos de sua interpretação: uma determinista e outra que considera essas instituições em nome de valores universalmente válidos.
As explicações das instituições pelo meio geográfico é o que um sociólogo chamaria de relação de influência, e não de necessidade causal: um meio não determina as instituições, mas as influencia, contribuindo para orientá-las em um sentido determinado.
Número de habitantes tidos em função da possibilidade de alimentos disponíveis. Conclui que para incitar os camponeses a produzir é bom desperta-lhes o gosto pelo supérfluo. É preciso que desejem possuir mais do que aquilo a que estão acostumados para incitar o processo de expansão das sociedades subdesenvolvidas. Se preocupa também com o desemprego tecnológico. Mas Montesquieu não entendeu o alcance econômico do progresso científico e tecnológico.
C)Como consegue restituir o conjunto? Aron crê que há uma concepção sintética da sociedade, e ela está no livro XIX, quando fala do espírito da nação. A pluralidade de causas formam o espírito geral: não se trata de uma causa parcial, comparável às outras, mas a resultante do conjunto das causas físicas, sociais e morais. Passa-se da pluralidade das causas à unidade do espírito geral, sem excluir as causas parciais. Espirito geral: não é uma causa dominante que apaga as outras, mas são as características que uma determinada coletividade adquire através do tempo, resultado de uma pluralidade de influências que atuam sobre ela.
Espírito geral de uma nação = o que os antropólogos norte-americanos chamam de cultura de uma nação: estilo de vida e de relações em comum, que é mais um efeito que uma causa: resultado das influências físicas e morais que,a través do tempo, modelaram a coletividade.
Dois tipos de sínteses: 1. Influência predominante do regime político; 2. Espírito geral de uma nação. A primeira hesita entre duas interpretações: um influência predominante no sentido casual do termo ou com relação ao que interessa antes de tudo ao observador, com relação a nossos valores.
Retoma à teoria das instituições políticas dos primeiros livres: uma vez que um regime só se mantém na medida que o sentimento que lhe é necessário existe no povo. Maneira de ser, agir, sentir e pensar de uma coletividade. “Preenche, sem dúvida, duas funções: permite o reagrupamento das explicações parciais, sem representar uma explicação última que englobaria todas as demais; permite, além disso, passar da sociologia política para a sociologia do todo social” (p.42).
Teoria do princípio reencontra a teoria do espírito geral de uma nação. Interpretações múltiplas, de caráter parcial, podem ser reagrupadas na interpretação global de determinada coletividade, sem contradizer com a pluralidade das explicações parciais.
Os Fatos e os valores (resposta do 2º problema)
Questão fundamento da sociologia histórica: observa a diversidade das instituições sem fazer um juízo de valor sobre elas? Há a possibilidade de encontrar, para além desta variedade, elementos comuns? Na análise das noções de lei que está a resposta.
Termo lei com duas significações: 1. Prescrição do legislador, ordem dada por autoridade competente que nos obriga a fazer isso ou a não fazer aquilo: Lei-preceito: positiva, diferente dos costumes e hábitos por ser formulada expressamente; 2. Relação de causalidade entre determinante e um efeito.
Montesquieu se dispõe a analisar não as aleis, mas o espírito das leis, ou seja, todas as relações que formam o conjunto que se chama espírito das leis. Procura, então, as leis causais que explicam as leis-preceitos. Espírito das leis: conjunto das relações entre leis-preceitos das diversas sociedades humanas e os fatores suscetíveis de influenciá-las ou determiná-las: é o conjunto de relações de causalidade que explicam as leis-preceitos.
Montesquieu tem uma filosofia rigorosamente determinista poderia ser também rigorosamente conservador: “se admitirmos que as instituições de uma coletividade são determinadas necessariamente por um conjunto de circunstâncias, será fácil escorregar para a conclusão de que as instituições existentes são as melhores” (p.46).
Podemos entender então os seus conselhos: já que a instituição é explicada por uma certa influência, temos o direito de procurar o que seria necessário para atingir determinados objetivos. Filosofia determinista não exclui os conselhos, na medida que reles permaneçam relativos a uma determinada situação geográfica, espírito de uma nação ou à natureza do regime. Imperativos condicionais. Preceitos que se impõem na medida de que deseja manter o regime ou permitir que a nação prospere. Ele condena moralmente determinadas instituições; (afirmar que o Montesquieu que aconselha é o homem e o que analisa é o cientista contradiz o essencial do primeiro Livro de O Espírito das leis)
Há um terceiro tipo de Lei, leis supremas anteriores à positivas, são leis-preceitos que não se originam na da vontade de legisladores particulares, mas são consubstanciais a natureza do homem. Sugere, de maneira rasa, que é D’us o legislador destas.
Na realidade pode ser que Montesquieu apenas tenha conservado este terceiro tipo de lei por conveniência. Seu comportamento aceita três elementos: observação da diversidade das leis positivas; explicação dessa diversidade em função de causas múltiplas e conselhos práticos dados ao legislador, com base na explicação científica da lei. Sob essa ótica, Montesquieu seria um verdadeiro sociólogo positivista: explicando porque os homens vivem de determinada maneira. Nesse esquema não há lugar para as leis universais da razão humana. Aron não crê nessa explicação.
Aron: Montesquieu: Explicar de modo causal a diversidade das leis positivas (1) e dispor de critérios válidos e universais (2) para fundamentar os juízos de valor relativos às instituições consideradas. Ex: escravidão e despotismo contrários às características dos homens, contradizem suas aspirações naturais.
AS leis relativas à conduta humana não são do tipo de causalidade necessária, podendo ser violadas. Montesquieu deseja encontrar uma filosofia que combine a explicação determinista das particularidades sociais com julgamentos morais e filosóficos universalmente válidos.
Possibilidade de pensar o homem sem o coletivo não quer dizer que isso tenha ocorrido. Demonstra que em si mesmo não é o homem um ser belicoso. Estado de natureza não é um estado de guerra de todos contra todos, mas sim um estado estranho à distinção paz-guerra. Guerra é um fenômeno mais social que humano: quer refutar Hobbes pois a base de sua teoria do despotismo está no caráter natural do homem ser belicoso. Objetivo da política: atenuar a guerra e desigualdade, e não eliminá-las.
Explicação científica causal das leis positivas e análise das leis que presidem as relações entre as coletividades, em função do direito das gentes. Assim, o fim para o qual se encaminham as coletividades pode ser determinado por análise racional.
Interpretações possíveis
Não é em absoluto um defensor da igualdade, menos ainda da soberania popular. E associa a desigualdade social à essência da ordem social: ele se acomoda bem com a desigualdade.
Não o considera um reacionário, como Althusser, mas crê que o essencial em sua obra é uma ordem política que assegure a moderação do poder pelo equilíbrio dos poderes (equilíbrio entre povo, nobreza e rei na monarquia francesa ou inglesa). Caráter liberal, embora seja considerado um reacionário nas querelas do século XVIII.
Espera ter demonstrado que o pensamento de Montesquieu não é tão contraditório como se afirma.
Montesquieu não é considerado um sociólogo por: 1.Não existia a palavra sociologia em seu tempo; 2. Não meditou sobre a sociedade moderna: industrial/capitalista. Além disso, emprega categorias da filosofia política clássica.
É o último dos filósofos clássicos, primeiro dos sociólogos: ignora o progresso no sentido que crê Comte: Atentando para os regimes políticos era levado a não ver no curso da história um movimento unilateral na direção do melhor.