terça-feira, 30 de junho de 2009

Resenha sobre Burke

Momento Histórico
Para um bom entendimento de Reflexões sobre a Revolução em França, provavelmente a obra mais importante de Edmund Burke, é necessário compreendermos tanto sua vida política, como o momento histórico e as razões pelas quais escreve o livro. Em seguida, pretendemos passar à análise da obra em questão, tentando relacioná-la com um ponto central no pensamento de Burke: sua aversão ao exercício de um “poder arbitrário”. Procurar demonstrar, ainda, uma coerência no pensamento do autor no livro em questão com suas posições políticas anteriores constitui o objetivo desta resenha.
Nascido em 1730, Burke passa por quatro revoluções – a Americana, a revolta dos Bengalis (na Índia), as revoltas dos católicos irlandeses e a Francesa; além da disputa entre Whigs e Tories no cenário político britânico. Como líder dos Whigs (grupo de esquerda considerado progressista e contra a intervenção do Rei na Política - contrários a James II ), defende sempre os que lutam contra um poder arbitrário, abominado por Burke. Trata-se de um raro caso de teórico e ao mesmo tempo ator político.
Causa impacto em 1790 (18 meses, portanto, depois da Queda da Bastilha, marco histórico da Revolução Francesa), ao publicar Reflexões sobre a Revolução em França, que marca seu rompimento com os Whigs. Burke considera o que acontecia na França como o exercício de um poder arbitrário. Temendo as repercussões de tais eventos em seu país, Burke escreve o livro com uma finalidade prática: persuadir os “simpatizantes” do processo revolucionário francês de seu caráter nocivo à sociedade como um todo. Tentaremos, então, demonstrar como se desenvolve o argumento de Burke ao longo da obra.
Teoria de Edmund Burke e Reflexões sobre a Revolução em França
Burke foi o primeiro grande teórico a escrever sobre a Revolução Francesa. Escrita no calor dos acontecimentos, a obra é marcada pelo temor com o que poderia ocorrer com a França, e as repercussões em solo britânico:
“The intervening period had been characterized by a mixture of popular violence and peaceable, if feverish political activity in France, as its absolute monarchy gave way to a constitutional monarchy. A detached observer would be unsure of the future — whether destruction and violence would predominate or whether an enduring constitutional order would emerge was a question which events had not answered. In the event, of course, the Revolution would be characterized by both violence and constitutional development, at different times, but this was as unknowable in 1790 as it is obvious in 2004” (HARRIS, em site citado).
Seu temor é compreensível. Seus escritos são uma reação, uma crítica ao processo que ocorria na França.
Tradicionalista que era, Burke temia mudanças drásticas. Acreditava na inexorabilidade das mudanças, entretanto, observando a velocidade com que ocorriam ao seu redor, pretendia a manutenção de instituições tradicionais (como a família e a Igreja). Ao mesmo tempo, determinadas partes da sociedade se transformariam de maneira paulatina, e não revolucionária. Esta é a razão de Burke “iniciar um ataque ao Estado revolucionário-democrático por causa do que ele sentia serem intrusões praticadas contra as legítimas esferas de autoridade e função em outros níveis de ordem social maior” (NISBET, 1987, p. 407).
Vejamos se tal não seria o caso da Revolução Francesa, que no anseio de reestabelecer, de recriar, uma ordem social baseada na razão, criou inclusive um novo calendário e um sistema de pesos e medidas – este último utilizado até hoje em boa parte do mundo.
Ora, atentemos para a unidade no pensamento de Burke: defendera os colonos americanos ao lado dos whigs por considerar arbitrário o poder imposto pelo governo britânico; defendera, em casos análogos, irlandeses e indianos; deparava-se, agora, em enfrentar o seu próprio grupo político (que em sua concepção de partido seria considerado como tal) mantendo-se fiel a sua repugnância ao poder arbitrário.
Defende, sim, mudanças, desde que estas se baseiem na ordem social vigente, e não recomeçando do zero. Aristocrático e conservador, defendia um poder em que o “Rei reina, mas não governa”, sendo limitado pelo Parlamento (em uma clara alusão à idéia de Montesquieu de que um poder freia o outro). Idealizava o modelo político inglês, e temia que este pudesse ser deturpado por britânicos simpatizantes da Revolução do país vizinho.
A análise da Assembléia Nacional francesa
Cremos que a análise que o autor faz sobre a Assembléia Nacional francesa revela-nos pontos essenciais de seu pensamento. Senão vejamos: “Esta assembléia, desde a abolição das Ordens, não tem nada que a possa frear: nem a lei fundamental nem convenção estrita, nem costume respeitado” (BURKE, 1982, p.78). Parece estar clara à sua aversão ao poder arbitrário, bem como a ausência de um modelo de freios e contra-pesos na assembléia francesa, tal como o é no modelo político britânico.
Acredita que a França tivera a possibilidade de aproveitar o exemplo britânico, de ter:
“uma Constituição livre, uma monarquia poderosa, um exército disciplinado, um clero reformado e venerado, uma nobreza menos orgulhosa, mas mais digna, capaz de lhes ensinar a virtude e não de abafá-la, uma burguesia liberal imitando esta nobreza e oferecendo-lhes recrutas, um povo, enfim, protegido, satisfeito, laborioso e obediente, habituado a procurar e a apreciar a felicidade ...” (idem, p. 72)
Trata-se, portanto, de uma espécie de modelo a ser seguido, que Burke acreditava estar em conformidade com o modelo político inglês. Critica, porém, o caminho percorrido pela França, demonstrando, novamente sua contrariedade diante de mudanças radicais: “os franceses possuíam todas estas vantagens em seus antigos Estados (não está se referindo às vantagens que citei acima, mas sim à “variedade de partes correspondentes às diferentes classes”), mas preferiram agir como se nunca tivessem disso moldados em uma sociedade civil, como se pudessem tudo refazer a partir do nada” (idem, p.71).
Esperamos, com o texto acima, ter demonstrado a coerência do pensamento de Edmund Burke, em especial no caso da Revolução Francesa. Dotado de finalidade prática, o livro parece ter atingido seus objetivos, freou um possível “processo revolucionário” na Inglaterra, perpetuando o modelo político a que tanto se referia até 1832, quando a burguesia industrial ganha direito de voto.
Por fim, imprescindível mencionar que Burke considerava a necessidade de se ter direitos civis, em um determinado Estado, com um rei e um parlamento, buscando se conquistar a liberdade, como os britânicos fizeram. Depreciava a idéia de uma série de direitos inatos ao homem, assim como a noção de liberdade como algo natural. Esta deveria ser conquistada.
Referências:
BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Brasília: Editora da UNB, 1982.
NISBET, Robert. Os filósofos sociais. Brasília: Editora da UNB, 1987.
http://plato.stanford.edu/entries/burke/ - Acesso em 29/03/09: Texto de Ian Harris

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