terça-feira, 30 de junho de 2009

Resenha sobre Montesquieu

Em Do espírito das Leis, obra escrita ao longo de vinte anos, Montesquieu dispõe-se, nos capítulos I ao IV, a analisar as diferentes formas de governo – seriam três, tal como o autor as entende: as repúblicas, os governos despóticos e as monarquias. Esta sua divisão relaciona-se com três aspectos essenciais em seu pensamento, quais sejam: a) a diversidade das formas de regulamentação da vida social dos homens (não do homem no singular, mas sim no plural); b) a compreensão da sociedade como uma totalidade; c) a questão de análise dos homens como eles são - não se referindo a um contrato imaginário (LOCKE, ROUSSEAU, HOBBES) - ao passo que cria um certo modelo de como as formas de governo deveriam ser em sua forma ideal (próximo ao tipo ideal weberiano). Serão estes o pontos a serem abordados na obra do autor, ao mesmo tempo que ambicionamos explicar o conteúdo material dos Livros I ao IV.
Para que se possa compreender a estruturação do texto, imprescindível termos em mente que Montesquieu, no contexto iluminista, diferencia-se dos filósofos contratualistas que o precederam (e no caso de Rousseau que o sucedeu) por seu interesse pelo histórico, marcado “pelo abandono de qualquer história hipotética do estado de natureza: os homens tais quais são” (ALTHUSSER, 2007, p. 24). Deste modo, é na chave do iluminismo - crença na capacidade do homem descobrir as coisas por si só – que Montesquieu passa a pensar o problema da diversidade humana, uma novidade posta ao contexto europeu pós-grandes navegações. Uma atitude que para Aron seria considerada sociológica: “a intenção de O Espírito das Leis, pelo que me parece, é evidentemente sociológica” (ARON, 2008, p. 4). Ademais, é a prova empírica de sociedades muito diferentes entre si que coloca em cheque um ponto caro ao pensamento jusnaturalista, o da essência em comum ao o homem. Surge a necessidade “de explicar essa diversidade” (ALTHUSSER, 2007, p.25).
No Livro I, buscando a compreensão da diversidade, Montesquieu dá um novo conceito à palavra lei (muito influenciado pela física): “relações necessárias que derivam da natureza das coisas” (MONTESQUIEU, 1979, p.25). Ou seja, pretende estudar as relações entre as leis e as particularidades dos locais para os quais elas foram elaboradas (suas relações com os aspectos físicos, sociais, econômicos e demográficos do país). Surge daí a idéia de totalidade em seu pensamento. “É isso que pretendo realizar nesta obra. Examinarei todas essas relações; formam elas, no conjunto, o que chamamos de Espírito das Leis”. (idem, p.28). Caminhando neste sentido, Montesquieu trabalha com os conceitos de natureza (a estrutura que permite a sociedade ser o que é) e princípio (a dinâmica, o movimento da sociedade, aquilo que faz o governo agir) – que, segundo o autor, não podem ser extraídos de nosso preconceito, denotando um compromisso científico em sua obra, além de uma atitude sociológica, ao trabalhar com a idéia de totalidade (leis relacionadas a diversos outros fatores).
No Livro II Montesquieu inicia diferenciando o que seria o governo republicano, o monárquico e o despótico. Ou seja, o modo de governar seria o fator fundamental para se compreender as diferenças entre as estruturas das diferentes sociedades, tendo como outro fator o número daqueles que exercem o poder. Deste modo, chega-se a concepção de que não existe sociedade sem governo, sem política. Prossegue, deste modo, discriminando as características da natureza, da estrutura das diferentes formas de governo e das leis que derivam desta natureza – perseguindo o caminho proposto de estudo da totalidade.
Temos, em primeiro lugar, a análise da república, relacionada com as Cidades-Estado greco-romanas, que diferenciando-se em aristocracias - em que só alguns governavam, e o resto do povo encontra-se em relação a ela como em uma monarquia está o povo em relação ao monarca (MONTESQUIEU) - e democracia - em que muitos ou todos governavam, sendo, portanto, fundamentais as leis com relação ao sufrágio. Em seguida, tratando sobre o governo monárquico e a relação da natureza deste com suas leis, trabalha com a idéia de um poder do Rei limitado pela aristocracia (tem em comum com a república o respeito à lei), defendendo a opressão do povo. Por fim, no que diz respeito aos estados despóticos, crê na centralização sem limites do poder na figura de um único homem, que não possua impedimentos para fazer o que bem entende (a não ser pela religião). Montesquieu recomenda que o governante encontre um vizir (referencia aos administradores reais do Oriente – o autor considera esta forma de governo típica do Oriente) para que trabalhe em seu nome, tornando-se aspecto fundamental nessa forma de governo, uma vez que o déspota “é naturalmente preguiçoso, ignorante e voluptoso” (idem, p.36). Deve-se esclarecer que Montesquieu não estaria afirmando a existência estanque destas formas de governo ao redor do mundo, mas sim como uma espécie de tipo ideal dos quais as formas de governo podem se aproximar ou afastar, uma espécie de antecedente do “tipo ideal” weberiano, comuns a certas épocas e lugares, conforme evidenciado no título do Livro IV.
No Livro III está explicita a diferença, já mencionada acima, entre natureza e princípio, em que aquela seria a estrutura (Quem detém o poder? Como é exercido?) e este aquilo que dá vida à estrutura, aquilo que, de certo modo, “comanda a própria estrutura de governo” (ALTHUSSER, 2007, p.26). A idéia de princípio como unificador, capaz de explicar, ou pelo menos nortear, todas as demais leis e costumes – remetendo novamente à noção de cada sociedade como uma totalidade histórica, formas sociais com as suas próprias instituições.
Na democracia o princípio seria a virtude (Montesquieu deixa claro que se refere a virtude no sentido de Aristóteles, virtude política), pelo próprio fato de que “quem manda executar as leis sente que ele próprio e a elas está submetido e que delas sofrerá o peso” (MONTESQUIEU, 1979, p. 42). Interessante ressaltar que o autor considera-a incompatível com uma economia de mercado, em que está em vigor o interesse individual. Já na aristocracia, Montesquieu identifica a moderação como princípio, uma vez que os que governam estarão julgando seus iguais, esta torna-se fundamental, tornando os nobres “iguais entre si, o que faz a sua conservação” (idem, p. 43). Na monarquia, por sua vez, seria a honra o princípio fundamental, por unificar o estamento, limitando o poder do Rei, por exemplo, ao prescrever a necessidade dos aristocratas fazerem guerra. É típica da sociedade comercial pois não obriga o indivíduo a pôr seu interesse coletivo acima do pessoal. Por fim, no despotismo, crê o autor que é fundamental o princípio do medo, para que esta sociedade sem lei nem regra possa funcionar – Montesquieu tem certo temor pela forma despótica, indo contra a concepção hobbesiana do medo como fator constitutitvo da política. Imprescindível ressaltar que Montesquieu deixa claro que mais de um princípio pode estar presente na mesma forma de governo, mas existe um que é o princípio motor específico da forma, sua “mola”, na linguagem do autor.
Para finalizar, no término do Livro IV, Montesquieu ressalta que os princípios podem não ocorrer na forma de governo em que deveria, ou seja, está clara a aproximação feita com o tipo ideal weberiano. Mais ainda no título do próprio Livro V (De como as leis devem ser relativas aos princípios de governo), em que além do caráter positivo da análise de como as coisas são está mais uma vez explicito na indicação de como elas devem ser: “a tipologia positiva e cientifica converte-se aqui em uma espécie de tipologia ideal” (ALTHUSSER, 2007, p.27). Além da noção de totalidade, evidenciada pela lógica de que costumes e leis devem referir-se ao princípio motor da natureza da sociedade em questão, existe uma referência final sobre a importância da diversidade no pensamento do autor.
Referências:
ALTHUSSER, Louis. Política e história. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
__________________. Montesquieu: a política e a história. Lisboa: Presença, 1972.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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