terça-feira, 1 de novembro de 2011

trabalho Weber



Antecipando críticas: A refutação da dupla tese disparatadamente doutrinaria

















Prof Dr. Antonio Flávio Pierucci

Aluno: Fábio Ozias Zuker - 6470722



























"Convém, de qualquer modo, advertir desde logo, contra a tendência, encontradiça na bibliografia, de apresentar Weber como uma espécie de paladino anti-marxista, preocupado com a formulação de uma contrapartida idealista ao materialismo histórico"

(Gabriel Cohn)



Acreditamos que ao escolher este tema, o da dupla refutação que Weber faz da dupla tese disparatada, estamos lidando com uma questão metodológica central para a compreensão do tipo de sociologia que o autor se propõe a fazer em A ética protestante e o "Espírito" do Capitalismo. Dotados desta crença que tentaremos, então, mostrar como se constrói o argumento de Weber contrário a estas duas acusações que lhe poderiam ser feitas1, atentando para a importância desta decisão metodológica para este seu estudo – extrapolando, sempre que possível, para a sua obra como um todo. Tentaremos, cientes da modéstia intelectual que nos cabe, concluir atentando para comparação entre este recorte metodológico da Ética com um determinado tipo de análise cara ao marxismo.

Unilateralidade do estudo: uma questão metodológica

Para tanto, comecemos não por A ética protestante e o "Espírito" do Capitalismo, mas sim por seu (quiçá o mais) importante texto metodológico. Trata-se de A objetividade do Conhecimento nas Ciências Sociais. Nele, Weber afirma a inexistência de um caráter "objetivamente" inerente a qualquer objeto de estudo (neste caso Weber nos fala dos fenômenos socioeconômicos). O que está de acordo com a sua própria teoria da ciência, marcada por seu interesse por problemas que dão significados a eventos, e os tornam relevante para análise. Pergunta Cohn, retoricamente, comentando o texto de Weber: "O que os torna interessantes, se não o são intrinsecamente ("objetivamente")" (COHN, comentário a WEBER, 2006, p. 43).

Ora, o caráter segundo o qual os fenômenos econômicos sociais podem ser estudados varia de acordo com nosso "interesse de conhecimento", com o significado cultural que atribuímos ao evento em cada caso particular. Afirmando a ineficácia de se tentar uma abordagem "isenta", Weber conclui que "o que nos interessa é a tarefa de analisar a significação cultural do fato histórico" (WEBER, 2006, p. 43).

Distingue, deste modo, os fenômenos econômicos sociais conforme o nosso interesse sobre eles. Há, primeiramente, os "fenômenos econômicos” (stricto senso), geralmente relacionados a instituições criadas de maneira consciente para fins econômicos. Em segundo lugar os "fenômenos não-econômicos economicamente relevantes", que são aqueles que não nos interessam por seu significado propriamente econômico, mas sim por seus efeitos sobre a esfera econômica. Por fim existem os "fenômenos não-econômicos economicamente condicionados", que mostram em determinado aspecto a influência oriunda de “fenômenos econômicos”.

Weber se interessa na Ética por tratar de fenômenos "não-econômicos economicamente relevantes": está relacionando dois fenômenos que estariam, em uma linguagem marxista, na superestrutura, e a influência desta relação para o desenvolvimento material do capitalismo. Tal influência se dá na luta cultural entre dois ethos distintos. O do “espírito capitalista” do qual fala Franklin tentando se sobrepor a um determinado tradicionalismo econômico. “O que [Weber] quis mostrar é que a atitude econômica pode ser orientada pelo sistema de crenças” (ARON, 2008, p. 789).

E aqui reside a unilateralidade deste seu estudo: sua tese de que "ajusta-se ao espírito de um certo protestantismo a adoção de uma certa atitude em relação a atividade econômica, que é ela própria adequada ao espírito do capitalismo" (ídem, p. 782) é reconhecidamente unilateral. "Seria preciso trazer à luz o modo como a ascese protestante foi por sua vez influenciada, em seu vir-a-ser e em sua peculiaridade, pelo conjunto de condições sociais e culturais, também e especialmente as econômicas" (WEBER, 2004, p. 167).

Ou seja, Weber reconhece possibilidade de outros estudos que apreciem a relação entre "fenômenos não-econômicos economicamente condicionados" com "fenômenos econômicos". Há uma serie de possíveis estudos a serem feitos, de acordo com o "interesse de conhecimento" do pesquisador sobre determinado problema: "não cabe, contudo, evidentemente, a intenção de substituir uma interpretação causal unilateralmente “materialista” da cultura e da historia por uma outra espiritualista, também ela unilateral. Ambas são igualmente possíveis" (idem, p. 16. grifo do autor). O autor alerta inclusive para a sua intenção de, em outras obras, fazer um estudo cuja abordagem se distancia da feita no trabalho em questão. Parece inclusive ser possível considerar a sociologia da religião de Weber como um todo trabalhando com dimensões distintas das feitas na Ética (STERN)2.

Refutação da dupla tese disparatada

Tendo em mente o esclarecimento de que o trabalho de Weber na Ética protestante e o "espírito" do capitalismo é reconhecidamente um trabalho unilateral, decorrente de um determinado recorte de acordo com o "interesse de conhecimento”, mas não o único que se possa fazer, torna-se mais fácil compreender a tentativa geral do autor de que "se pode às vezes compreender a conduta econômica de um grupo social a partir da sua visão do mundo" (ARON, 2008, p. 89).

Acreditamos agora poder melhor abordar a dupla refutação de Weber sobre as possíveis interpretações disparatadas de sua obra, sendo uma própria conseqüência lógica de tudo que foi dito acima. A primeira destas interpretações, a qual Weber deliberadamente se distancia, é a de que o “espírito do capitalismo”, este ethos próprio deste sistema econômico, tenha se desenvolvido apenas “como resultado de determinados influxos da reforma” (WEBER, 2004, p. 82). A segunda, talvez ainda mais absurda, trata-se de reconhecer que o capitalismo, não apenas seu ethos característico, mas que sua existência como sistema econômico, seja fruto da Reforma.

Esperamos que já esteja suficientemente claro que a tentativa de Weber na Ética aqui não é nada próxima disso. Nada poderia soar mais absurdo para um autor que tenta mostrar a influência de determinadas crenças religiosas no comportamento dos indivíduos quanto à sua atividade econômica. Acreditando na multicausalidade, em uma visão de historia em que determinados fenômenos talvez só ocorram uma vez e sobre influencias bem determinadas, uma das importantes características do período marcado pela ascensão do capitalismo seria esta ética religiosa específica e suas conseqüências para com um determinado ethos capitalista.

Trata-se apenas de averiguar se, e até que ponto, influxos religiosos contribuíram [e não determinaram] para a cunhagem qualitativa e a expansão quantitativa desse “espírito” mundo afora, e quais são os aspectos concretos da cultura assentada em bases capitalistas que remontam àqueles influxos” (idem, p. 83). Além do mais, tais teses disparatadamente doutrinarias são anacrônicas, uma vez que pré-existia à Reforma “formas importantes de negócio capitalista” (idem, p. 82).

Conclusão

É impossível não reconhecer que Weber faz sim uma critica de uma posição cara ao pensamento de Marx, ou pelo menos a uma interpretação do pensamento marxista, a do determinismo da econômica (infra-estrutura) sobre a superestrutura (no qual estariam, entre outros fenômenos sociais, os valores, inclusive os valores religiosos). Mas "nada mais falso do que imaginar que Max Weber sustentou tese exatamente oposta a de Marx, explicando a economia pela religião, em lugar de explicar a religião pela economia" (ARON, 2008, p. 788).

Parece-nos que Weber, por sua própria concepção de historia, concedendo ao surgimento do capitalismo europeu o caráter de fenômeno único3, "rejeitava inteiramente a construção de esquemas deterministas baseados sobre qualquer espécie de teoria geral do desenvolvimento histórico" (GIDDENS, p. 84). Há uma repulsa de Weber a uma teoria cientificizadora da historia baseada em uma determinação materialista.

Deste modo, "indubitavelmente ele escreveu o ensaio, de alguma forma, como uma polemica consciente contra a concepção 'unilateral' de religião tal como retratada pelo materialismo histórico" (GIDDENS, p. 82). Sugerimos então como hipótese, para a nossa conclusão, amparados por farta literatura, de que a Ética seja um trabalho considerado– obviamente- valido pelo autor, mas tão valido quanto aquela concepção que visa explicar os “fenômenos não-econômicos economicamente condicionados” por “fenômenos econômicos” (em linguagem marxista, explicar a superestrutura pela infraestrutura).

O que Weber não aceita é que esta última – interpretação marxista em voga na sua época por nomes como Kautsky (GIDDENS) – seja a única possível.Trata-se, assim, de pensar o trabalho de Weber não como um anti-Marx, mas como uma complexificação da análise marxiana.

Partilhamos da idéia de que Weber critica a unilateralidade marxista para apresentar a possibilidade de que também os elementos da esfera da superestrutura podem influenciar o desenvolvimento material (do capitalismo). Aceita a explicação marxista em partes, como uma das válidas, mas não uma cientificizacao da historia através deste tipo unilateral de análise - uma vez que defende toda uma multicausalidade, uma constelação de fatores que condicionam (agora em linguagem weberiana) e influenciam outros fenômenos. Daí a impossibilidade de se atribuir a uma determinação o curso da historia, que para Weber está marcado pelo multiplicidade de forças, causas e efeitos. É possível a unilateralidade de determinado estudo, jamais de uma teoria totalizante.

Neste sentido, compactuamos com Birnbaum: "Weber modificou consideravelmente a posição teórica de Marx refutando a noção de que "as idéias são simplesmente reflexos da posição social e não exercem efeitos independentes sobre o desenvolvimento histórico"" (BIRNBAUM apud GIDDENS, 1998, p. 96). Um tema interessantíssimo ao qual este pequeno trabalho servirá de porta de entrada para maiores incursões.

Referências

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

COHN, Gabriel. Critica e resignação: Max Weber e a teoria social. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

GIDDENS, Anthony. Marx, Weber e o desenvolvimento do capitalismo. In: Política, Sociologia e Teoria Social. São Paulo: Editora UNESP, 1998.

WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. Coleção Ensaios Comentados. São Paulo: Atica, 2006.

_______. "Introdução". In: A Ética Protestante e o "Espírito" do Capitalismo. Trad. A. F. Bastos e L. Leitão. Ed. Presença, 1981

____________. A Ética Protestante e o "Espírito" do Capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

1 Vale ressaltar que a defesa de Weber e feita a priori: ele antecipa possíveis criticas que pudessem ser feitas a este ponto especifico de sua obra.

2 Stern chega a afirmar que se tomarmos a obra da sociologia da religião de Weber como um todo, chega-se "a uma conclusão exatamente inversa daquela que formula na Etica protestante. Toda sua obra esta permeada por uma convicção: a organização de uma sociedade e as correntes de pensamento que a animam são, em ultima analise, o produto da relação de forcas entre as camadas que a compõem. Eis o que nos aproxima considerávelmente da concepção de Marx!” (STERN apud COHN, 2003, p. 118).


3 "Que encadeamento particular de circunstancia levou a que no ocidente, e só aqui, tenham aparecido fenômenos culturais que – como pelo menos gostamos de pensar – se situaram numa direção evolutiva de significado e valor universais?" (WEBER, 1981, p. 11, grifo nosso)

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