terça-feira, 1 de novembro de 2011

DE CERTEAU, M. A invenão do cotidiano. Petrópolis, Vozes, 2007.

DE CERTEAU, M. A invenão do cotidiano. Petrópolis, Vozes, 2007.

De Certeau: jesuíta. Pertencente a escola freudiana de Lacan. Freqüentou os seminários de lingüística de Greimas, em Paris. Em 1968: sua notoriedae extrapolou a fronteira dos historiadores e das redes cristãs. “Na brecha entre o dizer e o fazer, qu ele acredita perceber, Certeau não vê ameaças, mas uma possibilidade de futuro” (Girard, 2007, p. 12).

Maneiras como se cria: Criar o que e como? Consumo não passivo. A primeira invesãod e perspectiva oriunda deste livro é deslocar “a atenção do consumo supostamente passivo dos produtos recebidos para a criança anônima, nascida da prática do desvio no uso desses produtos” )idem, p. 13). Ou seja, consumo não como algo pasível, mas uma atitude ativa e produtora. Daí surge a preocupação com as operações dos usuários, a maneira como ocupam-se socialmente e aplicam um desvio operado por umd eterminada prática.

Existe também uma recusa entre a distinção entre cultura erudita e popular. “Sendo assim, é necessário voltar-se para a “proliferação dissseminada” de criações anônimas “perecíveis” que irrompem com vivacidade e não se capitalizam” (idem, p. 13). Lhe interessa as “astúcias táticas das práticas cotidianas” (idem, p. 14).

Recusa o uso de estatísticas, que apreendem o mateirla das prática, e não suas formas. De Certeau quer fazer uma teoria das práticas cotidianas, extraindo as “maneiras de fazer”, que por vezes não passam de “resistências” em relação aod esenvolvimento sócio cultural. O tema do livro, dirá a itnrodução, são as antidicisplinas, formada pelas redes de astúcias dos consumidores.

De Certau estaria assim fazendo uma oposição a teoria de Foucault em Vigiar e Punir? Mas De Certeau faz uso do vocabulário “estratégias” e “táticaas” antes da publicação de Foucault. Talvez devêssemos vê-los como uma teoria complementar? Mas também podemos ver a presença de Bourdieu no texto de De Certeau tanto quanto, ou mais, podemos ver Foucault.

Foucault e Bourdieu servem de figuras teorias de exposçaõ por motivos semelhantes: antiafinidade eletiva . De Certeau: há um movimento de micro-resistências que fundam microliberdades, “mobilizam recursos insuspeitos e assim deslocam as fronteiras verdadeiras da dominação dos poderes sobre a multidão anônima” (idem, p. 18). De Certeau vê maravilhas onde outros não vêem pois está perparado para vê-las.

Atenção a liberdade interior dos na-conformistas, mesmos que silenciosos, que modificame descviam a verdade imposa. De Certeau se intressa por essas pequenas resistências: ele crê na liberdade gazeteira das práticas. “Assim, é natural que perceba microdiferenças onde tantos outros vêem obediência e uniformização (...) atenção nos minúsculos espaços de jogo que táticas silenciosas e sutis “insinuam”” (idem, p. 19).

Esses mecanismos de resistência são os mesmso em diferentes épocas, pois a distribuição desigual de força não muda. “os mesmos processos de esvio servem ao fraco como último recurso, como outras tantas escapatórias e astúcias, vindas de “imemoriais ineteligências”, enraizadas no passado da espécie” (idem, p. 19).

Este noção de agir em Certeau é inseprável de uma arte, um estilo: na vida ordinária, a cultura é exercida como uma arte: exercida e burlada. Necessita=-se de um meio teórico para distinguir maneiras de fazer, para pensar estilos de ação: fazer uma teoria das práticas.

Supõe-se que as práticas de consumo são do nível tático, em três níveis: modalidades da ação, formalidades das práticas e operações especificadaos pelas maneiras de fazer. A proposição teórica em Certeau é submetida a prática concreta. O interesse é especificar conceitos operacionais e procurar entre eles categorias comuns, a partir das quais, talvez fosse possível explicar o junto das práticas. Há um “incessante vaivém do teórico para o concreto e depois do particular e do circunstancial ao geral” (idem, p. 21).

A maior influencia deste estudo vemd e Freud, da Psicopatologia da vida cotidiana. Trata-se de uma viagem a vidacomum, uma viagem não cega às realidades políticas nem para a importância da temporalidade do novo afirmado.

Introdução geral

“Operações dos usuários supostamente entregues à passividae e à disciplina” (DE Certeau, 2007, p. 37). Analisar essas práticas não significa trabalhar no nível do individualismo. A relação, sempre social, determina seus termos, e não o inverso: na individualidade atua uma pluralidade de determinantes relacionais, muitas vezes contraditórios. Interesse pelo modo de operaçao, pelos esquemas de ação, e não pelo sujeito – seu autor/veículo. O objetivo é, assim, “explicitar combinatórias de operações que compõe (sem ser exclusivamente) uma “cultura” (...) o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada” (idem, p. 38), justamente aonde o pensamento singelo vê nos consumidores os dominados.

  1. A produçao dos consumidores: o uso ou o consumo

Espectador da televisão fabrica as imagens: o mesmo ocorre com o uso do espaço urbano e dos produtos que compramos. Fabricação no sentido de produção, uma poética. “A uma produção racionalizada, expansionista (...) corresponde outra produção, qualificada de “consumo”: esta é astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica dominante” (idem, p. 39).

Colonizaçao e bricolagem: muitas vezes os indígenas subvertiam as leis do colonizador para fins e referências próprias, embora não rejeitassem as leis do colonizador, as contornavam. Faziam das leis que lhes eram impostas outras coisas.

Perspectiva da enunciação: preferencia pelo ato de falar, que opera um sistema linguistico, colocando em jogo, baseado em apropriações e reapropriações da língua por locutores, instaurando um presente relativo a um momento e lugar e fazendo um contrato com o outro (interlocutor). “à maneira dos povos indígenas os usuários “façam uma bricolagem” com e na economia cultural dominante, usando inúmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas próprias regras” (idem, p. 40).

Os modos de proceder da criatividade cotidiana. Vigiar e Punir, de Foucault, ideia de vigilância generalizada. Essa microfísica do poder privilegia o aparelho produtor da disciplina. Se é verdade que existe a rede da vigilância, De Certeau fala da necessidade de descorir de “como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela” (idem, p. 41): procedimentos minúsculos e cotidianos jogam com os mecanismos da disciplina, não se conformando a ela, alterando-a por meio de “maneiras de fazer”.

Maneiras de fazer: “se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas de produção socio-cultural” (idem, p. 41). De certa forma, questões análogas e contrárias as de Foucault. São modos de proceder; astúcias dos consumidores; uma rede de antidisciplina: o tema deste livro.

Formalidade das práticas: De Certeau se coloca o problema de que deve existir uma lógica dessas práticas.

Marginalidade de uma maioria: Marginalidade de massas. Uma atividade não assinada, “atividade cultural dos não produtores de cultura” (idem, p. 44). Isso não pressupõe sua homogeneidade. Existe todo um espaço deixado para o usuário fazer manobras, deixando um espaço para ele exercer a sua “arte”. “As táticas de consumo, egenhosidades do fraco para tirar proveito do forte, vão desembocar então em uma politização das práticas cotidianas” (idem, p. 45).

  1. Táticas de Praticantes

Problema se articula de três formas: a) problemáticas oriundas da articulação do material coletado; b) descrição de algumas práticas; c) extensão dessas operações para campos aparentemente regidos por outra lógica, como o científico

Trajetórias, táticas e retóricas: distinção entre táticas e estratégias.

Estratégias: Postula um lugar capaz de circunscrito como um próprio, de servir de base a uma gestão de suas relações com algo exterior: nacionalidade política, por exemplo, econômica ou científica foi construída com base nesse modelo.

Tática: “cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível” (idem, p. 46). Ela tem por lugar o do outro, aí se insinuo, de maneira fragmentada, sem apreendê-lo por inteiro, ou retê-lo a distância. O que ganha não guarda: joga com os acontecimentos e os transforma em ocasiões – “sem cessar, o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas” (idem, p. 47).

Práticas cotidianas, como falar, ler, circular, comprar, cozinhar são maneiras de fazer, microscópicas vitórias do “fraco” sobre o “forte”. “Performances operacionais dependem de saberes muito antigos” ((idem, p. 47) – tempos imemoriais, inteligências e astúcias. Essas táticas mostram a indissociabilidade entre combates e prazeres cotidianos que articula – já a estratégia “escondem sobre cálculos objetivos a sua relação com o poder que os sustenta” (idem, p. 47).

Diferenciar os tipos de t;áticas por meio dos modelos de retórica. Os “rodeios”: manipulações de acordo com ocasiões pressupõe maneiras de mudar o querer do outro. “Duas lógicas da ação (uma tática e outra estratégica) se depreendem dessas duas maneiras de praticar a linguagem” (idem, p. 48). Espaço da língua: a sociedade explicita mais as regras formais do agir e dos funcionamentos que as diferenciam.

Ler, conversar, habitar, cozinhar: Leitura – epopéia do olho e da pulsão de ler. A leitura como uma produção silenciosa. Possibilidade de substituir o binômio produção-consumo pelo escritura-leitura: são equivalentes. Não concorda com a idéia de leitura como algo passivo: é uma produção silenciosa, uma “invenção de memória”. “Um mundo diferente (o do leitor) se introduz no lugar do autor” (idem, p. 49). Tornando então o texto habitável como um apartamento alugado: ideia dos locatórios que efetuam mudanças no apartamento que habitam – o mobiliam com suas recordações. “A ordem reinante serve de suporte para produções inúmeras, ao passo que torna os seus proprietários cegos para essa criatividade (...) a leitura introduz portanto uma “arte” que não é passividade” (idem, p. 50). Podemos comparar esta arte dos leitores a outras, como as da conversa ordinária, na qual as práticas são transformadasoras de situações da palavra.

Extensões: prospectivas e políticas: Interesse por: a) relaçoes mantidas entre a racionalidade e imaginário; b) diferença entre de um lado as táticas (tateios, astúcias) que almeijam uma investigação prática e, de outro, representações estratégicas “oferecidas aos destinatários como o produto final dessas operações” (idem, p. 51). Não se trata só da produção, mas do estatuto do indivíduo em sistemas técnicos: são diferentes maneiras de se aproprias do sistema produzido, por meio das criações dos consumidores: “usam técnicas de reemprego onde se podem reconhecer os procedimentos das práticas cotidianas” (idem, p. 52). Necessidade de se elaborar uma política dessas astúcias.



Capítulo III. Fazer com: usos e táticas

Homogeneização entre trabalho e lazer, essas áreas reforçam uma as outras: técnicas culturais se difundem em meio a reprodução econômica. De maneira recíproca, vemos na produção cultural certas operações racionais. Mas De Certeau se interessa pleas diferenças de outros tipos, referentes às modalidades da ação, às formalidades das práticas.

“Táticas desviacionaistas não obedecem à lei do lugar (...) sob este ponto de vista são tão localizáveis quanto as estretágias tecnocráticas (...) que visam crair lugares segundo modelos abstratos” (idem, p. 92) – se diferenciando delas devido aos tipos de operação. Assim, da mesma maneira que na litratura se podem distinguir estilos, lhe interessa as maneiras de fazer. São estilos de ação que tiram proveito do sistema da indústria, como um segundo nível, imbricado no primeiro. São maneiras de habitar uma casa, uma língua: instaura uma pluralidade e criatividade sem sair do lugar no qual vivem e que impõe uma lei. Falar dos usos é reconhecer ações.

O uso ou o consumo: Consumo não como os dados de nossos cálculos, mas o léxico das práticas. Mais uma vez metáfora da televisão, do consumidor fabricando com essas imagens. “suas fabricações se disseminam na rede de produção televisiva, urbanística e comercial” (idem, p. 94). Fala de novo da metáfora dos indígenas, que subvertiam por dentro, metaforizando a ordem dominante, fazendo-a funcionar em outro registro. O mesmo parece ocorrer com a maneira como os círculos populares fazem com as culturas difundidas pelas “elites produtoras: da linguagem: “manipulações pelos praticantes que não seus fabricantes” (idem, p. 95).

Devemos analisar o uso por si mesmo. Ideia de que a produção oferece o capital. Os usuários, como locatários, fazem operações neste fundo sem contudo serem proprietários desse capital. Enunciado pressupõe: a) efetuação do sistema linguistico por um falar que atua as suas possibilidades; b) apropriaçao da lingua pelo que fala; c) implantação de um interlocutor: constituição de um contrato; d) instauração do presente pelo ato daquele “eu” que fala. Ato de falar: uso da língua e uma operação sobre ela

Estratégias e táticas: Os consumidores traçam trajetórias indeterminadas, aparentemente sem sentido, pois não coerentes com o espaço no qual se movimentam. “trilhas heterogêneas aos sistemas em que se infiltram” (idem, p. 97). São movimentos diferentes utilizando elementos do terreno, que as estatísticas são insuficientes para apreender, captando apenas o material utilizado pelas práticas de consumo, mas não sua forma, seu movimento astucioso, não a “atividade de fazer com”. “Contabiliza-se o que é utilizado, não as maneiras de utilizá-lo” (idem, p. 98).

Assim, intentando apreender essas práticas De Certeau utiliza a ideia de “trajetória”. Que se relaciona a ideia de um movimento temporal no espaó, sucessão dos pontos, e não a figura sincronica e anacrônica desses pontos reunidos. Assim, voltemos as distinções entre estratégia e táticas.

Estratégia é o cálculo, a manipulação “das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (...) pode ser isolado” (idem, p. 99). Postula um lugar que pode ser circunscrito como algo próprio e ser a base se podem gerir relaçoões com outro ente. Assim, separar o lugar apropriado do outro tem efeitos consideráveis: a) próprio como vitória do lugar sobre o tempo; b) domínio dos lugares pela vista: prática panóptica; c) Possibilidade de deinir o poder do saber pela capacidade de transformar incertezas da história em espaós legíveis.

Já as táticas são as ações calculadas determinadas pela ausência de um próprio. É um movimento, que opera golpe por golpe, lance por lance. Criar surpresas, aparecendo onde menos se espera. Uma astúcia: arte do fraco – muitas vezes possível a ele como último recurso. Determinada pela ausência de poder, da mesma forma que a estratégia é organizada pelo postulado do poder.

“Estratégias são portanto ações que, graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem” (idem, p. 102). Tem uma relação com o espaço. Já as táticas se valem pela pertinência ao tempo: pelas circunstâncias transorma um instante preciso em situação favorável.

“Estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões que apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um poder” (idem, p. 102).

Retóricas de práticas, astúcias milenares: Homologias entre astúcias práticas e movimentos retóricos. Principalmente no que se refere as legalidades da sintaze e ao sentido do “próprio”. “São manipulações da língua relativas a ocasiões e destinadas a seduzir, captar ou inverter a posição linguistica do destinado” (idem, p. 103). O uso que é feito da língua pelos locutores estão para as regras gramaticais da mesma maneira que o consumo está para a produção. “Essas maneiras de falar fornecem à análise maneiras de fazer um repertório de modelos e hipóteses” (idem, p. 103).

De Certeau quer pensar algumas práticas cotidianas dos consumidores, supondo que sejam de tipo tático: habitar, circular, falar, ler, comprar, cozinhar – essas atitudes nos lembram astúcias e surpresas táticas, “gestos hábeis do “fraco” na ordem estabelecida pelo “forte”” (idem, p. 104). Artes imemoriais, mantendo vivo estruturas de uma imaginário social que assume constantemente novas formas.

Capítulo VII – Caminhadas pela cidade

Ler do alto do WTC é arrebatar-se ao domínio da cidade. Assim foge da massa de identidade de autores e espctadores, virando um voyeur, colocando-se a distância. Olhar totalizador do alto. Uma distância do administrador do espaço, urbanista ou cartógrafo. Sua condição de possibilidade é esquecer e desconhecer as práticas – faz-se estranho aos comportamentos do dia a dia.

Em baixo estão os praticantes ordinários da cidade. São caminhantes e pedestres, “cujo corpo obedece aos cheios e vazio de um “texto” urbano que escrevem sem poder lê-lo” (idem, p. 171). Existem práticas que se escondem dessa visão do alto, e é delas que De Certeau quer tratar, das práticas estranhas ao espaço panóptico e teórico, remetendo a operações específica, a maneiras de fazer. “Uma cidade transumante, ou metafórica, insinua-se assim no texto claro da cidade planejada e visível” (idem, p. 172).

    1. Do conceito de cidades às práticas urbanas

Um conceito operatório? No discurso urbanista e utópico, a cidade é definide pela tríplice operação: a) de um espaço próprio racionalmente organizado; b) estabelecer um sistema sincrônico: não-tempo; c) criação de um sujeito universal e anônimo, a cidade, como o seu modelo político, o Estado de Hobbes. Racionalização da cidade a mitifica no discurso estratégico e de cálculos. “A vida urbana deixa sempre mais remontar àquilo que o projeto urbanístico dela excluía” (idem, p. 174). Há movimentos na cidade que compensam e se combinam para além do poder panóptico: proliferam-se astúcias e poderes sem identidades.

O retorno das práticas: a cidade conceito se degrada. Queremos analisar as práticas microbianas, singulares e plurais – que um sistema urbano deveris administrar ou suprimir. “procedimentos que muito antes de ser controlados ou eliminados pela administração panóptica, se reforçam em uma proliferação ilegitimada, desenvolvidos e insinuados nas redes de vigilância” (idem, p. 175). Foucault: astúcias minúsculas da disciplina. Mas De Certeau se interessa pelo outro lado desta relação: que práticas de espaço correspondem a essa disicplina? Lhe interessa procedimentos resistentes, astuciosos, teimosos, que escapam da disciplina, sem ficarem fora do campo que ela exerce.

2. A fala dos passos perdidos

Uma análise ao pé do chão, com passos, e não do alto. Não tem um receptáculo físico, não se localizam, mas se espacializam. Atividades dos passantes transposta em pontos, captados apenas em resíduos, colocados no não tempo de uma superfícia de projeção.

Enunciações pedestres: ato de caminhar está para a cidade como a enunciação está para a língua. Há um processo de apropriação do sistema topográfico pelo pedestre – realização espacial do lugar. Ato de caminhar como a primeira definição do espaço de enunciação. Enunciação do pedestre possui três características que a distinguem do sistema espacial: o presente, o descontínuo o “fático”.

Se há uma ordem espacial organizadora e que gera possibilidades e proibições, o caminhante as atualiza, as faz ser e aparecer. Suas variações e improvisações mudam ou deixam de lado elementos espaciais. “O caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial” (idem, p. 178), assim criando algo descontínuo. O caminhante estabelece um cá e um lá, indicando uma apropriação do espaço por um “eu”, implantando um outro relativo ao “eu” e estabelecendo assim uma relação com o espaço. A caminhada cria uma organicidade. Poderíamos analisar os tipos de relação que se mantem com os percursos. A caminhada afirma, suspeita, arrisca, transgride, respeita: trajetórias que falam.

Retóricas ambulatórias:

Moldar frases equivalente a moldar percursos: da mesma maneira que a linguagem, implica estilos e usos. Conota um singular – visando uma maneira de fazer. 2 postulados: a) também as práticas do espaço correspondem a manipulações de elementos de uma ordem construída; b) são como “desvios relativos a uma espécie de “sentido literal” definido pelo sistema urbanístico” (idem, p. 180). Espaço dos urbaniostas e arquitetos, analogamente ao dos gramáticos, dispõem um nível normal ao qual surgem desvios. Este é uma ficção produzida no uso particular.

Assim sinédoque: emprego de uma palavra em um sentido que é parte de outro significado da mesma palavra: cabeça utilizada no lugar de homem. Já assíndeto se suprime os termos de ligações: uma caminhada seleciona e gragmenta o espaço percorrido, saltita. “O espaço assim tratado e alterado pelas práticas se transforma em singularidades aumentadas e em ilhotas separadas” (idem, p. 181). Essas figuras ambulatórias compõe um percurso com estrutura de mito, relativo ao lugar/não lugar de origem da existência concreta: um relato bricolado de lugares-comuns, história alusiva e fragmentada.

3.Míticas: aquilo que “faz andar”

Paralelismo entre discurso e sonho e lingüística: desenrolar discursivo (sonhado, falado ou andado), organiza-se em relação ao lugar de onde sai (origem) e o não lugar que produz. “Caminhar é ter falta de lugar” (idem, p. 183).

Nomes e símbolos: Indício disso é a relação das práticas (caminhadas) com os nomes próprios. Os nomes próprios que vemos ao caminhar tem significações muito singulares, eles “fazem sentido”. Se oferecem a polissemias dos passantes, mediatizando circulações, tornam-se assim espaços ocupáveis (pensamos aqui na significação que uma atribui aos nomes de ruas). C´riveis, memorável e primitivo

Críveis e memoráveis: a hatabilidade: Discurso que leva a crer jamais dá o que promete. Uma autoridade local, no sentido que torna o espaço habitável. Os próprios nomes próprios já são “autoridades locais”. O que se pode ler e o que se deve ler permitem saídas, espaços de habitabilidade. “Os relatos de lugares são bricolagens. São feitos com resíduos ou detritos de mundo” – uma série de elementos heterogêneos que preenchem a forma homogênea do relato. Papel doa boato: criador de movimentos comuns: enquanto os relatos diversificam os boatos totalizam: instaura um nivelamento do espaço. Os lugares vividos como presenças de ausências, mostra-se aquilo que não é mais [aqui se pode ver que havia, mas não se vê mais]. São espíritos, saberes que se calam

Infâncias e metáforas de lugares: “praticar o espaço é portanto repetir a experiência jubilatória e silenciosa da infância. É, no lugar, ser outro e passar ao outro”. Infância que cria na cidade planejada uma cidade “metafórica”, em deslocamento.



Capítulo IX – Relatos de Espaço

Metáfora: forma também do relato, atravessam e organizam lugares, selecionam e reúnem em conjunto, fazem frases e itinerários, são percursos dos espaços. Assim, “as estruturas narrativas têm valor de sintaxes espaciais (...) regulam as mudanças de espaço (ou circulações) efetuada pelos relatos sob a forma de lugares postos em séries lineares ou entrelaçadas” (idem, p. 200).

Relatos cotidianos ou literários são nossos transportes coletivos, metaphorai. “Todo o relato é um relato de viagem – uma prática do espaço (...) as táticas cotidianas” (idem, p. 200). Essas aventuras narradas não são um suplemento aos enunciados dos pedestres, mas organizam as caminhadas. Como analisá-las se põe como questão. Vamos considerar apenas ações narrativas, que nos ajudarão a precisar formas elementares das práticas organizadoras de espaço (a bipolaridade “mapa” e “percurso”, processos de delimitação e “focalizações enunciativas”).

Espaços” e “lugares”: lugar como a ordem “segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência” (idem, p. 201), na qual impera a lei do próprio: trata-se de uma configuração instantânea de posições que indica uma estabilidade. Já espaço tem relação com os vetores de direção, “animado pelo conjunto de movimentos que aí se desdobram” (idem, p. 202). Espaço está para o lugar como a palavra quando falada – dependente das múltiplas condições colocadas como atos de um presente. “Em suma, o espaço é um lugar praticado” (idem, p. 202): a rua do urbanista é transformada pelo pedestres. Merleau-Ponty: tantos espaços quantos experiências espaciais distintas. Relatos: trabalho incessante de transformar lugares em espaços ou espaços em lugares. Necessitamos de critérios.

Percursos e mapas: Mapa: segue o modelo (ao lado da cozinha o quarto). Percurso: descrições e operações sobre como entrar em cada cômodo, um ato de enunciação. São duas distintas linguagens antropológicas e simbólicas do espaço. Percurso como estrutura de relato de viagem: cadeia das operações pontilhadas de referências ao que produz e implica.

Mapas tinham percursos, mas foi aos poucos se separando dos itinerários, ganhando autonomia entre os séculos XV e XBII: essas operações de “percurso” não são ilustrações, mas deixam no mapa operações históricas de onde resulta. Mapa fica só, as descrições de percursos somem. Em ambas há práticas, se distinguem “no fato de os mapas, constituídos em lugares próprios para expor os produtos do saber, formarem os quadros de resultados legíveis” (idem, p. 207).

Demarcações: Relatos tem a função cotidiana de operar sobre lugares, instância móvel de demarcação. Compilações de relatos são compostas por gfragmentos de histórias e “bricolados” num todo, nos esclarecem assim a formação de mitos. Esses comportamentos de relato nos oferecem um rico campo para análise da espacialidade. Relato descreve, mas, mais do que isso, é um ato criador, tendo inclusive poder distributivo e força performativa. Função primária de autorizar o estabelecimento e o deslocamento e superação de limites. Primeiro: cria um teatro de ações – relato como função de autorização, fundação. “Abre um teatro de legitimidade a ações efeitvas. Cria um campo que autoriza práticas sociais arriscadas e contingentes” (idem, p. 210).

Existe, assim, uma narrativamultiforme desenvolvendo-se nas fronteiras e de relações com estrangeiros, “fragmentada e disseminada, ela não cessa de efetuar operações de demarcação” (idem, p. 211).

Fronteiras e pontes: Relatos animados por uma contradição. Fronteira (espaço legítimo) e ponte (exterioridade estranha). Determinação dual de um espaço. Há uma contradição dinâmica entre delimitação e mobilidade. Falamos aqui do paradoxo da fronteira: “criados por contatos, os pontos de diferenciação entre dois corpos são também pontos comuns. A junção e a disjunção são aí indissociáveis” (idem, p. 213): a quem pertence a fronteira. Caráter de não-lugar e papel mediador, um terceiro, um espaço entre dois. “Há por toda parte a ambiguidade daponto, que ora solda ora contrasta insularidades” (idem, p. 214). Estrangeiro, exotismo já no interior das fronteiras.

Delinquências: “Onde o mapa demarca, o relato faz uma travessia” (idem, p. 215), ele instaura uma caminhada, transgride ao passar através. Demarcações como limites transportáveis, metaphorai. Relato é delinqüente pois o deliquente vive não à margem, “mas nos interstícios dos códigos que desmancha e desloca” (idem, p. 216), caracterizando-se pelo privilégio do percurso sobre o estado. Quais mudanças efetivas essa narratividade delinqüente produz sobre a sociedade: “em matéria de espaço, essa delinqüência começa com a inscrição do corpo no texto da ordem” (idem, p. 217). Relato de espaço como uma língua falada, um sistema lingüístico distributivo de lugares. Espaço surge de novo assim, como um lugar praticado.

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