quarta-feira, 1 de julho de 2009

Aron sobre Divsão do trabalho social

ARON, Raymond. As estapas do pensamento sociológico. Martins fontes: São Paulo, 2008
Émile Durkheim
- DA DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL:
Tema deste livro é central no pensamento do autor: relações entre os indivíduos e a coletividade. Como pode uma coleção de indivíduos constituir uma sociedade? Durkheim responde afirmando a existência de duas formas de solidariedade:
1. Mecânica: por semelhança. Indivíduos diferem pouco uns dos outros, se assemelham por terem os mesmo valores, sentimentos: “sociedade tem coerência pois os indivíduos ainda não se diferenciaram” (p.458)
2. Orgânica: Consenso, unidade se exprime pela diferenciação, por seu intermédio. São diferentes porque o consenso se realiza. “analogia com os órgãos de um ser vivo, cada um dos quais exerce uma função própria; embora os órgãos não se pareçam uns com os outros, todos são igualmente indispensáveis à vida” (p.458)
Correspondem a duas formas extremas de organização social. Nas sociedades ditas primitivas prevalece a solidariedade mecânica: indivíduos são “intercambiáveis” – resultado: idéia essencial em Durkheim de que os indivíduos não vem, historicamente, em primeiro lugar. Tomada de conhecimento como indivíduos decorre do próprio desenvolvimento histórico. Nas sociedades primitivas, cada um é o que são os outros: predomina em cada um os sentimentos coletivos.
Num certo sentido, uma sociedade de solidariedade mecânica é também segmentária. Segmento: grupo social em que os membros estão estreitamente integrados; localmente situado, mas pressupõe uma separação com relação ao mundo exterior: pouca comunicação com o mundo exterior. Por definição, contradiz os fenômenos de diferenciação, designados pela expressão solidariedade orgânica. Mas Durkheim reconhece que em certas sociedades uma divisão econômica e do trabalho avançadas coexistam com um estrutura segmentária (vê isso na Inglaterra).
Noção de estrutura segmentária, portanto, não se confunde com solidariedade por semelhança: “sugere apenas o relativo isolamento, a auto-suficiência dos vários elementos” (p.461)
A divisão do trabalho que Durkheim investiga não se confunde com a dos economistas: a multiplicação das atividades industriais e diferenciação das profissões se origina na desintegração da solidariedade mecânica e da estrutura segmentária. Idéias que decorrem desta análise:
a) Conceito de consciência coletiva (ver LUKES): Segundo Durkheim, “conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade”. Só existe devido as crenças e sentimentos presentes na consciência coletiva, mas se distingue delas por evoluir segundo suas próprias leis, não sendo apenas a expressão das consciências individuais. É difusa, não tem como substrato um órgão único: ocupam toda a extensão da sociedade, mas nem por isso deixam de ter características específicas: é o tipo psíquico da sociedade.
Essa consciência possui maior ou menor força extensão, de acordo com a sociedade: na solidariedade mecânica a consciência coletiva abrange a maior parte das consciências individuais: “A fração das existências individuais submetida a sentimentos comuns é quase coextensiva á sua existência”(p.463); Solidariedade orgânica, por diferenciação: cada um pode, muitas vezes, tem a liberdade de agir, crer e querer conforme bem entende (diferente da solidariedade mecânica, em que a maior parte da existência é orientada por imperativos e proibições sociais).
“Força desta consciência coletiva acompanha a sua extensão” (p.463). Sociedades primitivas: sentimentos coletivos tem força extrema, manifestando-se pelo rigor dos castigos impostos aos que violam as proibições sociais: quanto mais forte a consciência coletiva mais forte a indignação contra o crime (violação do imperativo social). É particularizada: atos e ritos são precisamente definidos: impostos pela consciência coletiva.
Solidariedade orgânica: redução da esfera sobre a qual atua a consciência coletiva. Enfraquece as reações coletivas contra violações das proibições. O que a justiça exige na sociedade primitiva é minuciosamente fixado, diferente da solidariedade orgânica, que possuem margem maior para o indivíduo interpretar os imperativos sociais.
Daí desprende uma de suas idéias centrais: indivíduo nasce da sociedade, e não a sociedade que nasce dos indivíduos. Dois sentidos:
1. Prioridade histórica das sociedades por solidariedade mecânica sobre as de solidariedade orgânica: estas últimas, sociedades cujos membros adquirem consciências de sua responsabilidade e são capazes de exprimi-la. Logo, se a solidariedade por identificação precedeu a por diferenciação, não podemos explicar a diferenciação social e solidariedade orgânica por meio dos indivíduos (explicação que diz que a consciência individual seria a origem da divisão do trabalho, como fazem alguns economistas, seria um petição de princípio).
2. Sociologia: prioridade do todo sobre as partes (sociedade maior que a soma de seus elementos).
Ou seja: “No estudo da divisão do trabalho, Durkheim descobriu duas idéias essenciais: a prioridade histórica das sociedades em que a consciência individual está inteiramente fora de si e a necessidade de explicar os fenomenos individuais pelo estado da coletividade, e não o estado da coletividade pelos fenômenos individuais” (p.466)
Estudar melhor a divisão do trabalho, depois que a define: necessidade de estudá-lo objetivamente, do exterior, encontrando meios pelo qual os estados de consciência possam ser conhecidos e compreendidos. Expressão dos fenômenos de consciência, neste caso, são os fenômenos jurídicos. Diferencia:
a) Direito repressivo (pune faltas ou crimes): revela a consciência coletiva nas solidariedades mecânicas (manifesta e particulariza a força dos sentimentos comuns). Quanto mais forte e particularizada a consciência coletiva, maior o número de atos considerados crimes.
b) Direito restitutivo, cooperativo: repor as coisas em ordem quando uma falta foi cometida. Não se trata de punir, Entender em sentido amplo, que englobe as regras jurídicas cujo objeto é a organização da cooperação entre indivíduos.
Crime: ato proibido pela consciência coletiva: definido do exterior (visão objetiva e relativista). Não crê que as sanções teriam a função de amedrontar ou dissuadir: sua função é satisfazer a consciência comum, ferida pela transgressão, exigindo uma reparação feita aos sentimentos de todos.
Durkheim não concorda com a idéia de que a ordem comum da sociedade é criada pelas livres decisões dos indivíduos. Sociedade moderna não se baseia num contrato: caso o fosse, poderia ser explicada pelo comportamento dos indivíduos, e não é isso que um sociólogo quer.
Assim, Durkheim não nega de que os contratos tenham uma importância nas sociedades modernas. Para que exista uma ampla esfera em que o indivíduo pode fazer um contrato é necessária uma estrutura jurídica que autorize isso: “contratos interindividuais se situam dentro de um contexto social que não é determinado pelos próprios indivíduos. A divisão do trabalho pela diferenciação é a condição primordial da existência de uma esfera de contrato” (p.470). Prioridade da estrutura social sobre o indivíduo.
Sociedade de tipo orgânico: define-se pela diferenciação social, contratualismo sendo sua conseqüência e manifestação. Explicar a sociedade pelo contrato é inverter a ordem histórica e lógica.
Causa da solidariedade orgânica, ou da diferenciação social, a causa do desenvolvimento da divisão do trabalho nas sociedades modernas. Regra metodológica: fenômeno social deve ter uma causa social, não pode ter uma causa no indivíduo (como a busca pela felicidade). A causa é a combinação do aumento do volume e da densidade moral.
Volume: número de indivíduos que pertencem a determinada sociedade. Para que o aumento dos indivíduos se torne causa da diferenciação deve haver a densidade, no sentido material e moral. Densidade material: número de indivíduos em relação a determinada área. Densidade moral: intensidade das comunicações e trocas entre esses indivíduos.
Durkheim evoca o conceito de luta pela vida, de Darwin: quanto mais numerosos maior a competição e luta pela vida. Diferenciação social é a solução pacífica, algo como a diferenciação de nichos: diferenciação social permite a sobrevivência de um maior número de indivíduos: “cada um deixa de estar em competição com todos, podendo assim ter um papel e preencher uma função” (p.473).
Diferenciação social: criadora da liberdade individual: enfraquecimento da consciência coletiva aumenta a autonomia do indivíduo. Problema da sociedade individualista é a desintegração social. Indivíduo como expressão da coletividade. Na solidariedade mecânica ele é intercambiável, mas mesmo em uma sociedade que ele é insubstituível ele ainda é a expressão da coletividade. Estrutura social o impõe a cada um uma responsabilidade própria. A sociedade de solidariedade orgânica não poderia se manter caso não houvesse imperativos e interditos, valores e objetos sagrados coletivos, que vinculassem as pessoas ao todo social.

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