quarta-feira, 1 de julho de 2009

roteiro de leitura:“A estrutura e a forma” - Antropologia Estrutural II, cap. VIII

Respostas ao roteiro de leitura:

“A estrutura e a forma” - Antropologia Estrutural II, cap. VIII

Segundo Lévi-Strauss, o estruturalismo, ao contrário do formalismo, não opõe o concreto ao abstrato e nem confere ao segundo um valor privilegiado. No entendimento formalista, estrutura e forma se contrapõem como elementos estranhos um ao outro; já para o estruturalismo, o conteúdo é a própria estrutura, sendo apreendido em uma organização lógica que se concebe como propriedade do real.


Ele quer dizer que, para o autor russo, cada frase de um determinado conto constituiria um “motivo”, isto é, um conjunto de termos – que poderíamos considerar como sendo os “átomos” da frase – que, organizados em determinada ordem, formariam todos coerentes e irredutíveis, ou seja, conjuntos “moleculares” fixos e indecomponíveis. No trabalho de Propp, tal concepção metodológica leva à afirmação de que as unidades menores do que os motivos não possuem existência lógica independente. (Por exemplo: na frase “um monstro captura a filha do rei”, os termos “monstro”, “captura”, “filha”, “rei”, seriam, segundo Propp as tais “unidades menores do que os motivos”, desprovidas, por si sós de existência lógica. Já para Lévi-Strauss, tais unidades são, isto sim – e, contrariamente ao que escreve Propp – os elementos últimos da análise morfológica do conto, sendo, cada um deles, comutável com outros. Dessa maneira, poder-se-ia reescrever a mesma frase, substituindo, por exemplo, o termo “monstro” por “dragão”; “captura” por “rapta”; “filha” por “noiva”; “rei” por “príncipe”; tudo isso mantendo as propriedades morfológicas da frase.)


Segundo Lévi-Strauss, Propp define os três termos da seguinte maneira:

a) função: a função é denotada simplesmente pelo nome de uma determinada ação (como, por exemplo, “fuga”, “rapto”, sendo definida de acordo com a sua situação (“contexto”) na narrativa;
b) ordem de sucessão das funções: é um consequência da situação dos acontecimentos uns em relação aos outros. Como afirma Lévi-Strauss, para Propp, a ordem de sucessão das funções é constante, uma vez que só se pode definir a função de determinado acontecimento a partir da sua recolocação entre os outros fatos de um conto, isto é, determinando os “antecedentes” e “consequentes” a tal acontecimento;
c) sistema total de funções: designa a totalidade das funções que podem ser enumeradas em um conto. Tal sistema, diz Lévi-Strauss, pode não ser realizável empiricamente, posto que “é também admissível que cada conto, tomado individualmente, não faça jamais aparecer a totalidade das funções enumeradas” (p.125).
4. Existem segundo Lévi-Strauss, duas dificuldades que Propp procura resolver. A primeira diz respeito à “assimilação de uma função pela outra” (p.128). A segunda diz respeito à subsistência, no conto, de certos “resíduos”, aos quais não corresponde nenhuma função. Tal dificuldade advém do fato de que, para Propp, o conto é analisado tendo por base as funções.
As “ligações” são os episódios que servem para estabelecer relações imediatas entre dois personagens, ou entre um personagem e um objeto. Já as “motivações” são nas palavras de Propp “o conjunto de razões e propósitos em virtude dos quais agem os personagens.


5. Segundo Lévi-Strauss, a obra de Propp apresenta antecipações vigorosas sobre desenvolvimentos que só posteriormente figurariam na análise estrutural da literatura oral. Algumas noções, as quais seriam adotadas ulteriormente (por volta de 1950) pelos estruturalistas, já figuram, de acordo com Lévi-Strauss, nos escritos de Propp. Como exemplos, poderíamos citar a noção de “situação inicial”; a noção de “grupos de substituições” e de “grupos de transformação”; e a utilização dos mitos para a análise estrutural.


6. Lévi-Strauss concorda com a afirmação de Propp, dizendo que não há reais motivos para se isolarem os contos dos mitos, uma vez que, em muitos casos encontram-se, em ambas as formas, as mesmas narrativas, os mesmos personagens e os mesmos temas. Além disso, contos e mitos servem, uns aos outros, como base para o estudo das possíveis transformações dos temas encontrados em ambos os modelos narrativos. Há porém, de acordo com Lévi-Strauss, duas diferenças um tanto quanto marcantes entre os mitos e os contos. A primeira delas diz respeito ao fato de os contos serem confeccionados por meio de oposições mais fracas do que aquelas que se utiliza para a elaboração dos mitos. Nesses últimos, tais oposições são “cosmológicas, metafísicas ou naturais” (p.134), enquanto que, nos contos, as oposições utilizadas são “mais freqüentemente locais, sociais, ou morais” (idem).

7. O real problema de Propp é, como diz Lévi-Strauss, o fato de o autor russo ser “vítima de uma ilusão subjetiva” (p.137). Tal ilusão provém, diz o antropólogo francês, da dicotomia formalista, que opõe forma e conteúdo, fazendo faltar à análise proppiana o contexto e o conteúdo, e não o passado ou a história.

8. Para o formalismo, a forma e o conteúdo devem ser completamente separados, já que somente a forma é inteligível, não sendo o conteúdo senão um elemento residual, que não possui qualquer valor significante. Já para o estruturalismo, não há tal oposição, pois forma e conteúdo são de uma mesma natureza, estando por isso, sujeitos ao mesmo tipo de análise. Nas palavras do próprio Lévi-Strauss “o conteúdo tira sua realidade da estrutura, e o que se chama forma é a ‘estruturação’ das estruturas locais que constituem o conteúdo” (p.138).



9. De acordo com Lévi-Strauss, a insuficiência do formalismo é provada pela incapacidade que tal método epistemológico apresenta, quando procura restituir o conteúdo empírico a sua análise. O elogio de Lévi-Strauss a Propp se baseia no fato de o autor ter descoberto que o conteúdo dos contos é permutável, estando essa permutabilidade sujeita a leis de substituição.


10. Lévi-Strauss não considera que, em tais mitos e contos, a função seja constante e os personagens variáveis, ainda que as mesmas ações sejam atribuídas, de acordo com as narrativas, a diferentes animais. Não se deve crer, diz o antropólogo francês, que cada personagem seja um “elemento opaco “ situado em uma narrativa que é tratada – à maneira de Propp - como um sistema fechado.
Inventariar os contextos, fornecidos pelo conjunto das variantes da literatura oral, é um método eficaz para que se possa, a partir da permutação de um determinado termo em todos os seus contextos, compreender o sentido desse mesmo termo.


11. Para Lévi-Strauss o formalismo erra, quando realiza a análise lingüística, por prender-se exclusivamente a regras que respeitam à “combinatória das proposições” (p.147). Dessa maneira, crê na possibilidade – inócua, por sinal – de dissociar o léxico da gramática, empreendendo primeiramente a última e deixando o primeiro para mais tarde. Tal erro, afirma Lévi-Strauss, é explicado pelo desconhecimento, por parte do formalismo, da complementaridade entre o significante e o significado, existente em qualquer sistema lingüístico. Em suma, o estudo da forma lingüística (“gramática“) só se torna verdadeiro, fecundo, se for completado pela observação empírica, seja ela direta ou indireta.


12. De acordo co Lévi-Strauss os mitos e contos, sendo formas da linguagem, dela fazem uso “hiperestrutural”, formando uma “metalinguagem”, na qual a estrutura opera em todos os níveis (como, por exemplo, nos níveis “cultural” e “natural”). Isto é, nos mitos e nos contos as regras gramaticais e as palavras do vocabulário servem para a construção de imagens e de ações que, além de serem significantes “normais” em relação aos significados do discurso, são também elementos de significação que se referem a um sistema significativo suplementar que está situado em outro plano estrutural (no qual existem significados encobertos pelas palavras, os quais se tornam meios para construir um sistema que, assim como o plano em que se localiza, também é, como já se disse, suplementar.)

13. Lévi-Strauss escreve que, de acordo com a definição clássica, os fonemas são elementos sem significação, mas que tem a função, em virtude de sua presença ou ausência, de diferenciar as palavras, termos que possuem, eles mesmos, um sentido. Já os mitemas, são o resultado de um jogo de oposições binárias ou ternárias entre elementos que já possuem significação no plano da linguagem, e que são expressos com palavras do vocabulário. São, como diz Lévi-Strauss “palavras de palavras” (p.149), funcionando simultaneamente sobre dois planos: o da linguagem, no qual cada palavra tem seu próprio significado; e o da metalinguagem, onde as palavras atuam como componentes de uma “super-significação” (p.149), nascida da união dessas mesmas palavras.



Roteiro II

“Estruturalismo e ecologia” – O olhar distanciado, cap. VII

1. Ele responde a tal acusação com o fato de ter escolhido tornar-se etnólogo, em vez de seguir a carreira filosófica, baseando suas obras no estudo minucioso dos detalhes etnográficos presentes nas pesquisas empíricas da antropologia.


2. A definição da antropologia como uma ciência fundamentalmente empírica, provém do fato de cada cultura representar uma ocorrência singular, como diz Lévi-Strauss, à qual é necessário dedicar minuciosa atenção, para que se possa descrevê-la e analisá-la. É só assim, que se pode, segundo os dizeres levistraussianos, revelar os fatos e os critérios, os quais variam de uma cultura para a outra.


3. Os dois tipos de determinismo são:

a) um determinismo “espiritual”, segundo o qual, diz Lévi-Strauss, é-se obrigado a assumir que as operações mentais obedecem a determinadas leis, leis essas que, coagindo as produções ideológicas, mantêm-nas em um estado de isomorfia, no qual são possíveis somente alguns tipos de transformações;

b) um determinismo “socioambiental”, que perpetra coações extrínsecas sobre a ideologia, as quais advêm das características do meio ambiente natural, bem como das condições históricas e políticas pertinentes ao grupo social em que se produzem as manifestações ideológicas.



4. Daquilo que escreve Lévi-Strauss, pode-se inferir que o chamado “determinismo do espírito” tem precedência sobre o “determinismo socioambiental”. Segundo a argumentação do autor, a necessidade de conservar a coerência de relações anteriores, estabelecidas entre os homens e um antigo meio ambiente; tal necessidade surge de maneira tão forte que, por meio de coações mentais – as quais são frutos do espírito -, prefere-se “falsificar a imagem do meio ambiente a fim de preservar a estrutura invariante das relações” (p.167). Desse modo, cria-se “um meio ambiente imaginário”, em vez de se reconhecer a modificação ocorrida nas relações do homem com o meio ambiente.


5. De acordo com Lévi-Strauss, o estruturalismo revela e conduz, ao espírito, verdades mais profundas, que já estão enunciadas obscuramente no corpo. Isso porque o espírito opera de uma maneira que não difere, em natureza, da maneira pela qual opera o mundo. De fato, como diz Lévi-Strauss, “o espírito não pode compreender o mundo senão porque é um produto e uma parte desse mundo” (p.171). É por meio dessa concepção que o estruturalismo se propõem, segundo Lévi-Strauss, a sua maior tarefa, qual seja, a unificação de “perspectivas que durante dois ou três séculos tinham sido reputadas de incompatíveis por uma visão científica demasiado estreita: sensibilidade e intelecto, qualidade e quantidade, concreto e geométrico (...)” (p.172).

6. O autor afirma que, além das justificações teóricas, o estruturalismo tem outras, essas, mais práticas. A partir do estudo das culturas chamadas “primitivas”, o homem moderno pode aprender que a realidade possui significados que se situam fora do plano do conhecimento científico, e que se localizam sobre o plano da percepção pelos sentidos. Assim, escreve Lévi-Strauss, nós também aprendemos “a melhor amar e a melhor respeitar a natureza e os seres vivos” (p.173) que povoam o mundo, pois passamos a compreender que os animais e os vegetais não apenas dão ao homem a sua subsistência, mas, também, têm sido a fonte das emoções estéticas humanas mais intensas, bem como o objeto das primeiras e profundas especulações do homem sobre a realidade.

7. O estudo ecológico, que no âmbito da antropologia procura analisar as relações dos seres humanos com o meio em que eles vivem, pode ser considerado como campo um epistemológico de grande valia para as pesquisas estruturalistas, tais como a concebem Lévi-Strauss. Isso porque, segundo o autor francês há uma afinidade entre os dados sensíveis e sua codificação cerebral, e o próprio mundo físico no qual esses dados se apresentam aos homens. Tal afinidade baseia-se na existência de uma “atividade estrutural”, a qual se faz presente tanto do homem para dentro quanto do homem para fora. Isto é, existem estruturas internas e estruturas externas, as quais apresentam características análogas. Tanto os órgãos do sentido quanto o entendimento humano estão estruturados de maneira semelhante a tudo aquilo que existe fora do homem, quer dizer, os átomos, as moléculas, as células e os próprios organismos vivos; Dessa forma, a humanidade – em corpo e espírito - é, juntamente com as coisas com as quais os seres humanos se relacionam (vegetais, animais e objetos inanimados), “parte integrante de uma só e mesma realidade” (p.170).

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