quarta-feira, 1 de julho de 2009

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro, 1976 - Capítulo VIII: Reflexões sobre uma obra de Vladimir Propp

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro, 1976
Capítulo VIII
A ESTRUTURA E A FROMA
Reflexões sobre uma obra de Vladimir Propp
Estruturalismo, ao inverso do formalismo: recusa opor o concreto ao abstrato, e não reconhece no abstrato um valor privilegiado. Forma: se define por oposição a uma matéria que lhe é estranha. Estrutura: não tem conteúdo distinto, “ela é o próprio conteúdo, apreendido numa organização lógica concebida como propriedade do real” (p.121).
Não intenta que se pense o estruturalismo moderno ou a linguistica estrutural como prolongamento do formalismo russo: por pouco que o estruturalismo se afasta do concreto, muito a ele reconduz.
Veselovsky: Tema se decompõe em motivos, elemento irredutíveis aos quais o tema acrescenta uma operação unificante, integrando-os. Propp: assim, cada frase constitui um motivo, assim a análise dos contos conduzida em um nível “molecular”, embora nenhum motivo possa ser considerado indecomponível. Propp obtem, então, unidades menores que os motivos, e cuja exsitência lógica não é independente. Aqui está uma das principais diferenças entre formalismo e estruturalismo
Hipótese sobre a qual repousa seu trabalho: contos de fadas são uma categoria especial de contos populares. Os enunciados contém variáveis e constantes: personagens e atributos mudam, ações e funções não. Elementos constantes considerados como base, desde que o número de funções seja finito.
Funções: unidades constitutivas do conto; personagens: suporte das funções. Função definida de acordo com sua situação na narrativa. Consideremos uma função situando-a em relação a seus antecedentes e conseqüentes: “a ordem da sucessão das funções é constante” (p.125). Cada conto pode não fazer aparecer a totalidade das funções enumeradas, sem que a ordem de sucessão seja modificada. Sistema total de funções parece ter o caráter em Propp do que hoje chamaríamos de “metaestrutura”.
“Encarados do ponto de vista da estrutura, todos os contos de fadas se reduzem a um único tipo (PROPP apud LÉVI-STRAUSS, p.125) . Aproxima-se de Durkheim ao afirmar que é a qualidade, e não a quantidade da análise que importa.
Cada função é resumida em um único termo. Conclusões de Propp: 1.Número de funções é limitado; 2. As funções se implicam lógica e esteticamente, articulam-se todas sobre o mesmo eixo, duas funções quaisquer não se excluem jamais mutuamente. “Pares de funções, sequencias de funções, e funções independentes se organizam em um sistema invariante” (p.127).
Propp resolvendo diversas dificuldades: 1. Assimilação de uma função pela outra; 2. Conto analisado em funções deixa subsistir uma matéria residual à qual não corresponde nenhuma função (propõe dividir este resíduo em duas categorias não-funcionais: “ligações” e “motivações”).
Ligações: Episódios que servem para explicar como o personagem “A” toma conhecimento das ações de “B”: estabelece uma relação imediata entre os personagens ou entre personagem e objeto.
Motivações: razões e propósitos em virtude dos quais agem os personagens. Podem se resultar de uma formação secundária, pois é comum nos contos as ações dos personagens não serem motivadas.
Resultado: assim como as funções, os personagens do conto também são limitados: sete protagonistas. Volta ao problema inicial da obra: relação entre conto de fadas e conto popular em geral; e classificação dos contos de fadas constituídos como categoria independente.
Propp e Lévi-Strauss: não há razão para isolar contos dos mitos, ainda que muitas sociedades percebam uma diferença subjetiva entre os dois; ainda que prescrições e proibições vinculem-s, às vezes, a um e não a outro (recitação dos mitos em um tempo determinado, enquanto os contos, por natureza profanos, podem ser narrados a qualquer tempo).
“Narrativas com caráter de contos numa sociedade, são mitos para uma outra e inversamente” (p.134). Por outro lado, as mesmas narrativas, motivos e personagens encontram-se, em forma idêntica ou transformada, nos mitos e contos de uma população.
As sociedades que o percebem como distintos o fazem por uma dupla diferença de grau: 1. Os contos são construídos sobre oposições mais fracas que os mitos; 2. O conto consiste em uma transposição enfraquecida cuja realização amplificada é prórpia do mito (conto menos estritamente sujeito do que o mito à uma tripla relação da coerência lógica, ortodoxia religiosa e pressão coletiva). Conto: mais possibilidade de jogo, permutas mais livres, com mais arbitrariedade.
Contos como imperfeitos para a análise estrutural. Necessitamos compreender o porque de suas escolha. Além de já ser um objeto clássico de seus antecessores e de Propp não ser um etnólogo, cremos que foi por seu desconhecimento das verdadeiras relações entre mito e conto: Dizia Propp que para estudar o mito seria necessária uma análise histórica, talvez muito difícil por sua distância. Sugere que os contos populares tem sua origem em mitos mais arcaicos.
Etnológo desconfiaria de sua afirmação, pois sabe que mitos e contos existem, lado a lado. Só seria válida a afirmação de Propp para contos que são o legado de mitos que já caíram em desuso. Lévi-Strauss: relação de complementariedade: contos são mitos em miniatura, mesmas oposições transpostas em pequena escala.
Propp: dividido entre sua visão formalista e a obsessão por explicações históricas. Propp é vítima de uma ilusão subjetiva: não esta dividido entre exigências da sincronia e as da diacronia: não é o passado que lhe falta, mas o contexto.Dicotomia formalista, que opõe forma e conteúdo, os definindo por caracteris antitéticos, foi lhe imposta por sua escolha de um domínio em que somente a forma sobrevive, enquanto o conteúdo é abolido.
Essencial: resumo da diferença entre formalismo e estruturalismo: “para o primeiro (formalismo), os dois domínios devem ser absolutamente separados, pois somente a forma é inteligível, e o conteúdo não é senão um resíduo desprovido de valor significante. Para o estruturalismo, esta oposição não existe: não há, de um Aldo, o abstrato e, de outro, o concreto. Forma e conteúdo são de mesma natureza, sujeitos à mesma análise. O conteúdo tira sua realidade da estrutura, e o que se chama forma é a “estruturação” das estruturas locais que constituem o conteúdo” (p.138)
A não ser que se reintegra o conteúdo na forma, a forma fica em tal nível de abstração que perde todo seu significado, fica sem valor heurístico. Antes do formalismo ignorávamos o que os contos tinham em comum. Depois do formalismo, não podemos entender em que diferem. “Passou-se do concreto ao abstrato, mas não se pode mais voltar do abstrato ao concreto” (p.139). Haveria então um púnico conto. Se reduziria a uma abstração tão vaga e geral que nada nos ensinaria sobre as razões objetivas de existirem uma infinidade de contos particulares.
Prova da analise na síntese: esta é impossível pois a análise ficou incompleta: “nada pode convencer melhor da insuficiência do formalismo do que a incapacidade em que se encontra para restituir o conteúdo empírico de onde, todavia, partiu” (p.141). Perdeu o conteúdo no meio do caminho. Propp conclui a permutabilidade, por vezes arbitrária, do conteúdo dos contos.
Compreender o sentido de um termo é sempre permutá-lo em todos os seus contextos. Na literatura oral, esses contextos são fornecidos pelo conjunto das variantes, pelo sistema de compatibilidades e das incompatibilidades que caracteriza o conjunto permutável. Universo do conto: analisável em pares de oposições diversamente combinados no cerne de cada personagem, que, longe de constituir uma identidade, é como um “feixe de elementos diferenciais”.
O exame atento dos contextos permite eliminar falsas distinções. A pretendida Permutabilidade do conteúdo não equivale a um procedimento arbitrário, é o mesmo que dizer sob a condição de estender a analise a nível suficientemente profundo encontrar-se-à constância por trás da diversidade. Inversamente, a pretendida constancia da forma não nos deve enganar quanto ao fato de que as funções são também permutáveis.
Estrutura do conto, conforme Propp: sucessão cronológica de funções qualitativamente distintas, cada uma sendo um gênero independente . Várias das funções que distingue parecem redutíveis, asimiláveis a uma mesma função. “Ao invés do esquema cronológico de Propp, onde a ordem de sucessão dosa contecimentos é uma propriedade da estrutura, seria necessário adotar um outro esquema, apresentando um modelo de estrutura definida como o grupo de transformações de um pequeno número de elementos (...) aparência de uma matriz de duas ou três dimensões, ou mais” (p.143)
No sistema mítico: narrativa está no tempo (se passa em determinado momento) e fora do tempo (seu valor é sempre atual). Nos permite observar melhor que Propp o seu próprio princípio: permanência da ordem de sucessão, “e a evidência empírica dos deslocamentos que observamos, de um conto a outro, em relação a certas funções ou grupos de funções” (p.144)
Retomemos os dois pontos essenciais da discussão: 1. Constancia do conteúdo; 2. Permutabilidade das funções. Fundo do problema é pressentido por Propp: “Por detrás dos atributos inicialmente desdenhados como um resíduo arbitrário e privado de significação, ele pressente a intervenção de “noções abstratas” e de um “plano lógico” cuja existência, se estabelecida, permitirá tratar o conto como mito” (p.145).Quanto ao segundo problema: variedades de uma função estariam ligadas a certas variedades correspondentes de outras funções?
Necessidade de atingir a explicação dos mitos por meio de um estudo sociológico das sociedades em que ocorre. Erro duplo do formalismo: prendendo-se ás regras que comandam a combinatória das proposições, perde de vista que não existe língua da qual se possa deduzir o vocábulo à partir da sintaxe. Este primeiro erro é explicado por não reconhecer a complementaridade entre significante e significado.
Metalinguagem: formada pela assimilação das formas da linguagem: estrutura é operante em todos os níveis. Por essa propriedade são contos ou mitos, e não vistos como narrativas históricas.
Linguagem e metalinguagem de cuja união nascem contos e mitos possuem níveis em comum, embora estejam em planos diferentes. “Mesmo permanecendo termos do discurso, as palavras do mito funcionam aí como feixes de elementos diferenciais” (p.148)
Esta diferença não se dá no âmbito do quantitativo, mas no do qualitativo. Diferenças entre: a) fonema: elementos desprovidos de significação que servem para diferenciar termos, as palavras que possuem, ele mesmo, um sentido; b) Mitemas: resultam de um jogo de oposições binárias ou ternárias, mas entre elementos já carregados de significação no plano da linguagem – “representações abstratas” de que se refere Propp e que se exprimem com palavras do vocabulário.
Nada dos contos e mitos pode ser estranho à estrutura. Erro do formalismo = crer que se possa começar pela gramática e adiar o léxico. Em análise estrutural gramática e léxico aderem um ao outro sobre toda sua superfície e se recobrem completamente.

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